Meu gesto repete o de uma de minhas antepassadas; meu riso será o de algum descendente meu, que jamais conhecerei, o fio primeiro de minhas ideias nasce de outro pensamento milênios atrás, e continuará se desenrolando depois que eu tiver deixado de existir há séculos, num tempo que não flui como o imaginamos, esse tempo medido e calculado. Ele é pulsação, surpresa.
Às vezes, suspiramos pelo conforto que, vista de longe, parecia ser a vida quando tudo era mais limitado e certo: menos opções, menos possibilidade de erro. Temos de aprender a conviver com essas novas engrenagens de tanta surpresa e perplexidade, mas tanta maravilha. Temos de estar mais alertas do que décadas atrás, quando a vida era - ou hoje nos parece - tão mais simples: precisamos estar mais preparados, para que ela não nos dilacere. Temos de ser múltiplos, e incansáveis.
Que cansaço.
Pois a vida não anda para trás: o preço da liberdade são as escolhas com seu cortejo de esperança, entusiasmo, hesitação e angústia - para que se criem novos contextos e se realizem novas adaptações, que podem não ser estáveis. Pois as inovações, a corrida do tempo e as possibilidades aparentemente infinitas já nos puxam pela manga e nos convidam para outra ciranda de mil receitas: vamos ser inventivos, vamos ser produtivos e competentes, felizes a qualquer preço na companhia de todos os deuses e demônios nessa sarabanda. Fora dela, nos dizem, restam o tédio, a paralisia e a morte.
Será mesmo assim? Ou ainda existem, e podemos descobrir, lugares ou momentos de tranquilidade onde se realiza a verdadeira criatividade, onde podemos expandir a alma, onde podemos amar as pessoas, onde podemos contemplar a natureza, a arte, e os rostos amados, e construir alguma paz interior? Creio que sim.
Para que as emoções e inquietações positivas não entrem em coma antes que termine de definhar o corpo.
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