Desde seu grotesco discurso de posse, atulhado de arroubos e bravatas ginasianas, já devia estar claro para todos que Bolsonaro nunca se viu na obrigação de medir suas palavras e gestos, adequando-os à sua condição de chefe de Estado. Ao contrário: a julgar pelo comportamento muitas vezes grosseiro e indecoroso de Bolsonaro, o presidente provavelmente se considera acima do cargo que ocupa, dispensado dos rituais e protocolos próprios de tão alta função. Até à disseminação de pornografia pelas redes sociais ele tem se dedicado, para estupefação nacional e internacional.
Se estratégia há, é a de deixar o País apreensivo a cada novo tuíte ou discurso presidencial, pois nunca se sabe o que virá. Bolsonaro parece imaginar que foi eleito para dizer o que lhe vem à cabeça, sem se importar com os estragos – e seus assessores que se esforcem para tentar reduzir os prejuízos decorrentes de seus excessos.
Mas há casos em que nem mesmo o mais habilidoso ministro é capaz de remendar. Como explicar, por exemplo, o discurso de ontem do presidente, durante cerimônia no Corpo de Fuzileiros Navais do Rio, quando ele disse, com todas as letras, que “democracia e liberdade só existem quando as Forças Armadas assim o querem”? Será necessário um grande malabarismo retórico para não considerar esse discurso como explícita manifestação de um pensamento irremediavelmente autoritário, de quem acredita que a democracia é apenas um favor dos militares aos civis. Para o presidente da República – é o que se conclui –, a democracia e a liberdade seriam meramente circunstanciais, pois dependeriam não da força e da solidez das instituições democráticas e da honestidade de convicção dos homens que ele próprio chefia, e sim dos humores dos quartéis.
Vai mal um país cujo presidente claramente não entende qual é seu papel, especialmente quando não consegue dominar os pensamentos que, talvez, lhe venham à mente. Como chefe de Estado, Bolsonaro tem a obrigação de saber que todas e cada uma de suas palavras nortearão o debate político nacional, seja no Congresso, seja nas ruas, e terão consequências também no delicado campo da economia. O presidente deve ter consciência de que não é mais candidato, condição que lhe permitia incorporar o personagem histriônico e falastrão que seus fanáticos seguidores apelidaram de “mito”. Deve entender que sua retórica truculenta e polarizadora pode ter sido muito útil para viabilizar sua candidatura presidencial, mas é péssima para agregar apoio político para um governo que começa sem base visível no Congresso.
Antagonizar foliões do carnaval nas redes sociais, como fez Bolsonaro de forma imprópria e estouvada, divulgando um vídeo pornográfico a título de “expor a verdade”, provavelmente não agregará um único voto dos tantos necessários para aprovar no Congresso os projetos de real interesse do País. Nem mesmo alguns de seus mais sinceros apoiadores aprovaram a grosseria, razão pela qual os assessores presidenciais se viram na contingência de soltar uma nota oficial para tentar explicar o inexplicável, obviamente sem sucesso.
O bom senso sugere que não se deve esperar que Bolsonaro de repente compreenda seu papel e se transforme num estadista, capaz de, em poucas palavras, guiar as expectativas do País. Diante disso, a ala adulta do governo parece ter decidido trabalhar por conta própria, tentando reparar os danos da comunicação caótica e imprudente de Bolsonaro – desde os prejuízos econômicos causados pelo despropositado antagonismo público do presidente em relação à China e aos países árabes, até a dificuldade de arregimentar apoio a uma reforma da Previdência na qual Bolsonaro parece não acreditar. Pelo que se viu até aqui, todo o esforço que alguns de seus auxiliares estão fazendo para que o presidente desastrado não quebre toda a louça será inútil. Bolsonaro está ficando cada vez mais rápido e certeiro. Em Davos, precisou de seis minutos para mostrar sua incompetência administrativa. Com os fuzileiros navais, não precisou de mais de quatro minutos para revelar sua face autoritária e sua ignorância cívica.
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