As principais justificativas para tal destruição é a falácia do déficit e a longevidade da população, argumentos que já foram completamente desmontados, mas que precisamos repetir. O governo também fala em combate a privilégios. Vamos falar disso também.
Mas se querem falar em números, vamos lá. Historicamente, as contribuições sociais previstas na Constituição Federal (COFINS; CSLL; PIS; contribuição ao INSS pagas por trabalhadores e empregadores; sobre produção rural; importações; loterias etc.) foram mais que suficientes para cobrir toda a despesa da Seguridade Social (que engloba a Previdência, a Saúde e a Assistência Social) e ainda sobraram recursos que foram destinados para outros fins, em especial para o pagamento de juros da chamada dívida pública.
A partir de 2015 houve uma queda brutal da arrecadação das contribuições sociais, devido à “crise” que levou milhares de empresas de todos os setores à falência, provocou desemprego recorde e paralisação da economia brasileira. Nesse cenário de “crise”, o governo ainda concedeu diversas desonerações fiscais e liberou diversos setores de contribuir para a Seguridade Social, afetando ainda mais a arrecadação.
Portanto, a insuficiência de contribuições sociais não se deve a um problema no modelo de Previdência Social solidária, mas sim à “crise”, que no caso brasileiro foi fabricada pela política monetária do Banco Central, que quebrou inúmeras empresas, provocou desemprego recorde e derrubou o PIB. Empresas quebradas, desempregados e informais não contribuem para a Previdência. Esse é o problema, e não a longevidade das pessoas ou a solidariedade do modelo.
Ademais, ainda que as contribuições sociais passassem a não ser suficientes para assegurar os direitos sociais, a própria Constituição já previu (Art. 195) que recursos do orçamento fiscal de todos os entes federados (União, Estados, DF e Municípios) também são responsáveis pela manutenção da Seguridade Social, juntamente com as contribuições sociais.
Tudo isso está sendo destruído por essa PEC 6/2019, que cria um regime de capitalização que não oferece garantia alguma de qualquer pagamento de benefício futuro aos trabalhadores e trabalhadoras que terão que pagar uma contribuição definida durante décadas, porém, o benefício dependerá do comportamento do mercado, e pode ser zero ou negativo: em vez de receber benefício o trabalhador pode ser chamado a aportar recursos ao fundo de capitalização. Quem vai ganhar com isso? Somente as instituições financeiras que administrarão os fundos de capitalização e receberão as contribuições, sem responsabilidade alguma com o pagamento de benefício futuro.
Mas vamos falar de privilégio. O que o governo e a grande mídia chamam de privilegiados são os servidores públicos que aceitaram um contrato de trabalho oferecido unilateralmente pelo próprio governo, passaram em um concurso público, e durante toda a sua vida laboral pagaram contribuição previdenciária calculada sobre o vencimento bruto e, mesmo depois de aposentados continuam pagando contribuição previdenciária de 11% (ou mais) sobre o provento bruto. Ou seja, os privilegiados seriam aqueles que recebem aposentadoria acima do teto do INSS (atualmente em R$ 5.839,45), porque contribuíram nessa proporção e ainda continuam contribuindo até a morte. Além de pagar cerca de 11% (ou mais) de contribuição previdenciária, estão na faixa de 27,5% de imposto de renda da pessoa física, de tal forma que cerca de 40% do que recebem é tributo pago na fonte e nem irá para as mãos destes que estão sendo acusados de privilegiados.
Na verdade, o grande privilegiado no Brasil é o mercado financeiro, que ganhou mais de meio trilhão com a “crise” produzida pela política monetária do Banco Central e ganhará mais ainda com essa PEC 6/2019.
Os bancos ganharam R$526 bilhões (quinhentos e vinte e seis bilhões de reais) com a remuneração de sua sobra de caixa pelo Banco Central nos últimos 5 anos! Ganharam outras centenas de bilhões com os juros exorbitantes também definidos pelo Banco Central, e com os sigilosos contratos de swap cambial. Aí é que está o privilégio obscuro, sigiloso, que beneficiou os bancos enquanto quebrava a economia brasileira e criava a crise que está servindo de justificativa para a destruição da Previdência Social e para a entrega brutal de patrimônio por meio das privatizações de empresas estratégicas e lucrativas, como a Eletrobras, Petrobras etc.
O mercado tem tanta certeza de seus ganhos com a PEC 6/2019 que a Bolsa de Valores, que bateu recorde histórico diante da simples notícia, em 14/01/2019, sobre o avanço da proposta que seria entregue por Bolsonaro ao Congresso .
Além dos bancos, as pessoas físicas privilegiadas deste país não são servidores públicos aposentados que deixam cerca de 40% de seus ganhos nas mãos do governo, mas sim aquelas que têm renda mensal elevadíssima, e a maioria dos rendimentos que recebem são isentos, ou seja, não entregam praticamente nada ao governo.
Vejam a tabela a seguir, parte da tabela 9 (disponível no link ) , que mostra as faixas de renda, em números de salários mínimos, a quantidade de declarantes e o respectivo valor (em milhões de Reais) do rendimento tributado, tributado exclusivamente na fonte e isento. Mostra também o valor da contribuição previdenciária paga:
É escandaloso o fato de existirem 25.785 pessoas que em 2016 (dado mais recente divulgado pela Receita Federal) tiveram renda mensal superior a 320 salários mínimos, dos quais a maior parte foi isenta, ou seja, não pagaram imposto de renda nem contribuição previdenciária! Estes são os que estão favoráveis à PEC 6/2019. Outras pessoas que defendem essa destruição da Seguridade com certeza desconhecem os dados e estão embarcando em falsas propagandas.
Não podemos permitir qualquer reforma da Seguridade Social sem debate amplo, honesto, que leve em conta o fato de que historicamente a Previdência Social pública e solidária tem sido superavitária e que, momentaneamente, estamos no auge das consequências nocivas da crise fabricada pela política monetária (esta sim, que precisa ser reformada urgentemente) do Banco Central, que ainda quer ficar “independente” para entregar de vez ao mercado os destinos das finanças do país.
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