Fica cada vez mais evidente que a estratégia da política externa brasileira, articulada pelo chanceler Ernesto Araújo, o presidente Bolsonaro e seu filho Eduardo, está deixando inseguros investidores internacionais e outros governos. Araújo é visto como ideológico demais (algo que os investidores sempre temem, não importa se a ideologia é de esquerda ou de direita). Já Eduardo, que atua como um ministro das Relações Exteriores informal, passa a imagem de ignorante e muito radical para inspirar confiança no exterior, mesmo por parte de funcionários do governo dos EUA, que veem com bons olhos o Governo Bolsonaro. O péssimo discurso de Bolsonaro em Davos pareceu resumir a atuação da turma antiglobalista até agora, desapontando investidores que tinham aguardado uma fala mais séria – e que, de certa maneira, estavam torcendo para o novo presidente.
"Ainda bem que eles têm Mourão" é um comentário que se ouve com cada vez mais frequência no exterior. De fato, o general da reserva e vice-presidente é agora visto pela comunidade internacional como a âncora de um navio que, sem ele, estaria à deriva no que diz respeito à estratégia internacional.
Mourão difere do resto da equipe de política externa de Bolsonaro em estilo e substância. Enquanto os outros atores do governo são conhecidos por sua retórica estridente e agressiva, Mourão é moderado e calmo. Em uma entrevista recente, o vice-presidente não se esquivou de responder perguntas difíceis – ao contrário de seu chefe, que frequentemente ataca jornalistas quando estes discordam dele. Mourão chamou a atenção no exterior quando, em entrevista a uma repórter espanhola e a um brasileiro, respondeu as perguntas em espanhol fluente, o qual aprendeu como adido militar em Caracas.
Quando se trata de conteúdo, Mourão resiste sabiamente às ideias mais radicais e mal concebidas dos antiglobalistas, como transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, deixar o Acordo de Paris sobre mudança climática, abrigar uma base militar dos EUA e, a mais perigosa de todas, adotar tom agressivo em relação à China. Não é coincidência que um número crescente de embaixadores esteja procurando Mourão, o qual – eles esperam – continuará a impedir Bolsonaro de cometer graves erros políticos no âmbito externo. Nenhum vice-presidente na história recente foi tão necessário para a estabilidade da política externa do Brasil, já nas primeiras semanas de Governo, quanto Hamilton Mourão.
Ainda assim, previsivelmente, o papel estabilizador do vice-presidente na política externa do Brasil lhe rendeu a ira dos radicais (inclusive Olavo de Carvalho e Steve Bannon, dos EUA). A questão-chave é: até que ponto Mourão será capaz de vetar todas as ideias esdrúxulas que certamente ainda virão da ala antiglobalista do governo?
A verdade é que, idealmente, Mourão não deve ser apenas bombeiro-chefe e jogar na defesa para proteger a política externa brasileira de erros graves. Também tem potencial para adotar um papel mais ativo e propor novas iniciativas no âmbito externo. Três em particular vêm à mente.
Primeiro, Mourão seria o homem certo para liderar a posição do Brasil em relação à Venezuela, maior desafio em curto e médio prazos na política externa hoje. De longe a pessoa mais bem informada no gabinete sobre o assunto, Mourão também tem a vantagem de ser um militar, capaz, portanto, de lidar com a instituição que determinará o futuro do país vizinho: as Forças Armadas. Isso envolveria a articulação da resposta complexa à crise migratória venezuelana em todo o continente. Mourão poderia, ainda, convocar uma cúpula regional para discutir o assunto e decidir como coordenar conjuntamente o registro, a distribuição e a integração dos migrantes venezuelanos. Juntamente com outros países da região, ele também poderia organizar a criação de um fundo para compensar os países mais afetados pela crise migratória, como Colômbia, Equador e Peru. Além disso, coordenaria, com a Colômbia e outros, o envio de ajuda médica e humanitária à Venezuela, assim que o Governo Maduro – ou qualquer governo sucessor – o permitir.
Em segundo lugar, como projeto de médio prazo, Mourão poderia liderar um processo de aprofundamento da cooperação entre as Forças Armadas na América do Sul, dando continuidade a um movimento deflagrado por Nelson Jobim, ministro da Defesa de Lula. Isso poderia funcionar por meio de uma instituição existente, como o Conselho de Defesa Sul-Americano, e deveria envolver, entre outras iniciativas, exercícios militares conjuntos, missões para lidar com desastres naturais e participação em missões de paz da ONU. Isso até poderia ajudar a aumentar a pressão sobre suas contrapartes nas Forças Armadas da Venezuela – que perderão muito com uma transição para a democracia, dados os privilégios que acumularam sob Maduro – para permanecerem em seus quartéis independentemente de quem seja o futuro líder. A plataforma revigorada poderia, em futuras crises desse tipo, oferecer aos países vizinhos um canal adicional para o diálogo e a coordenação.
Finalmente, Mourão poderia se tornar responsável pela estratégia do Brasil em relação a Pequim, um tema de extrema relevância para o futuro do Brasil em curto, médio e longo prazos. Isso poderia incluir assumir o portfólio do grupo BRICS, que nem o presidente nem o ministro das Relações Exteriores consideram de grande relevância. Enquanto o presidente Bolsonaro, seu filho e o ministro das Relações Exteriores expressaram, até agora, ideias simplistas e preocupantes sobre a China, Mourão seria capaz de encontrar um meio-termo entre o receio legítimo sobre o que a ascensão chinesa implica e o otimismo quanto às muitas oportunidades na crescente presença do país na América Latina.
A queda de braço entre Hamilton Mourão e os antiglobalistas deverá marcar a estratégia internacional do governo Bolsonaro. Resta saber se Mourão sairá vitorioso e conseguirá salvar a política externa brasileira dos próximos anos.
Oliver Stuenkel
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