terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Tragédia provoca guinada ambiental no governo

O Diário Oficial da União publica em sua edição desta terça-feira resolução que representa uma guinada nos planos do governo de acabar com o que Jair Bolsonaro batizou de "indústria das multas", suavizando as normas ambientais para instalação e funcionamento de empreendimentos privados. A resolução recomenda aos órgãos de controle a fiscalização imediata de todas as barragens do país que representam riscos à população. A iniciativa é do conselho interministerial criado por Bolsonaro para reagir ao desastre de Brumadinho (MG).


Na campanha eleitoral, Bolsonaro esgrimira discurso anti-ambientalista. No varejo, defendera o estímulo a setores como mineração e agronegócio. Ambos prosperam testando a capacidade do Estado de conciliar interesses empresariais e respeito ao meio ambiente. No atacado, Bolsonaro defendera a flexibilização das regras sobre o licenciamento ambiental. Queria &quot;tirar o Estado do cangote&quot; dos empreendedores. Sob a coordenação da Casa Civil da Presidência, o grupo criado depois do estouro da barragem de Brumadinho opera não para soltar, mas puxar as rédeas.</p><p>

Além da fiscalização das barragens, a portaria determina que os órgãos de controle exijam das empresas a atualização dos seus planos para assegurar a segurança das barragens. Recomenda também a remoção de instalações erguidas em áreas do empreendimento que submetam trabalhadores e visitantes a riscos em caso de acidente. Essa providência foi inspirada pelo refeitório que a Vale instalou na rota da lama vertida por sua unidade de Brumadinho. Um número ainda não contabilizado de empregados da mineradora foram soterrados enquanto almoçavam.

Uma segunda portaria da comissão interministerial cria um grupo de trabalho incumbido de sugerir mudanças na lei de 2010 que instituiu a Política Nacional de Segurança de Barragens. Há no Congresso meia dúzia de projetos com o mesmo propósito —um no Senado e pelo menos cinco na Câmara. Foram apresentados nas pegadas do desastre de Mariana (MG), em 2015. O lobby das mineradoras impediu que chegassem à pauta de votações. Súbito, o Planalto intessou-se pela matéria.

A substituição do ânimo liberalizante pelo ímpeto intervencionista levou o governo a analisar a sério a hipótese de articular a destituição da diretoria da mineradora Vale. Mais: autoridades como o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passaram a defender que a Vale e demais mineradoras substituam as barragens de contenção de rejeitos, como a de Brumadinho, por instalações mais modernas e menos sujeitas a desastres.

Antes, o governo parecia observar as transgressões ambientais como se considerasse que não adiantava chorar o leite derramado. Isso significava que não se deveria ficar lamentando eventuais descalabros e procurando culpados. Em vez disso, planejava-se asfixiar a fiscalização e oferecer rotas de fuga aos empreendedores.

Agora, empurrado pela comoção social provocada pelos cadáveres que os telejornais despejam no tapete da sala desde a noite de sexta-feira, o governo age como se considerasse essencial saber quem derramou o leite —ou a lama—, por quê, em cima de quem e em que circunstâncias, para que Brumadinho, uma reincidência de Mariana, não se repita pela terceira vez.

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