Ficou evidente, apenas três anos depois do crime de Mariana, cujas feridas continuam abertas, que mais uma vez o lucro e a corrupção prevaleceram sobre a preocupação quanto a possíveis vítimas. E isso gera indignação e desespero para aqueles que se viram afetados e se sentem imponentes frente a esses gigantes complexos mineradores protegidos pela impunidade.
Em meus muitos anos de jornalismo, estou acostumado a relatar e analisar muitas outras catástrofes mundo afora, mas mesmo assim houve uma declaração de um político mineiro que me causou um mal-estar difícil de expressar. Eu a li no blog do jornalista, escritor e agudo polemista Reinaldo Azevedo. É um tuíte de Evandro Negrão Jr., vice-presidente do Partido Novo no Estado de Minas, cenário da tragédia. Precisei ler várias vezes o texto, que Azevedo qualificou como “latrina”, para me convencer de que não estava alucinando.
Nele, o político, correligionário do atual governador de Minas, Romeu Zema, escreve que de fato os mortos de Brumadinho dão pena, mas que o importante é essa maravilhosa empresa que arranca minérios do coração da terra. Ou será que os brasileiros preferem ficar sem carros e sem geladeiras em vez de perder um punhado de vidas? E conclui que o importante é que a empresa retome sua atividade o quanto antes, para continuar produzindo materiais sem os quais ficaríamos privados de eletrodomésticos.
E as vítimas? Que a Vale pague uma multa. O político foi até generoso com os mortos: pede que seja uma “grande multa”. E a prisão para os possíveis responsáveis? Isso seria um castigo exagerado para uma empresa tão fantástica que, conforme escreve, torna o mundo “muito melhor”.
Não, não é uma fake news. Eis o texto literal:
“Lamentável, muito dolorido e MUITO sofrido o desastre de Brumadinho, mas n/ podemos demonizar a Vale. É uma baita empresa, sem minério n/ tem carro, avião, nem geladeira e o mundo é muito melhor c/ empresas como ela do q sem. Ela errou, deve pagar 1 grande multa e voltar a funcionar asap.”
Enquanto a vida de um só ser humano valer menos que um eletrodoméstico, continuaremos todos apanhados e sem esperança de redenção no túnel sem saída da barbárie. O texto do político do Novo é a melhor elegia do capitalismo em estilo puro, para quem o lucro é seu único bezerro de ouro digno de culto. O resto, o pranto das pessoas que tiverem que ser sacrificadas em seu altar, são um apêndice, um parêntese, uma insignificância. Menos que uma geladeira.
Afinal, o que são algumas dezenas de vítimas a mais ou a menos, em um país com mais de 200 milhões, frente à felicidade de poder ter nossas casas repletas de eletrodomésticos? Não se trata de condenar o sistema capitalista, sempre melhor que o da Coreia do Norte, mas sim de fazermos isso convencidos de que uma só vida humana sempre continuará valendo mais que todo o ferro e o ouro do mundo.
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