Se você estiver achando que há algo errado com essa comédia degenerada, espere pelo segundo ato. O “foro privilegiado” não se limita aos políticos: neste preciso momento, protege 55.000 pessoas em todo o Brasil. É impossível pensar num país sério no qual existam 55.000 sujeitos que têm uma licença virtual de praticar crimes ─ pois o “foro privilegiado”, na vida real, torna praticamente impunes os criminosos que contam com esse privilégio, como diz o próprio nome da tramoia. É por isso, exatamente, que o Brasil não tem a menor chance de ser confundido com um país sério. Entram neste cardume prodigioso, além do presidente da República e do vice, todos os ministros de Estado, os comandantes das três armas e os governadores. Junte aí deputado federal, senador, prefeito, mais a ministrada dos “tribunais superiores”: o STF, o STJ, o militar, o eleitoral e até o do “trabalho”. Também estão a salvo os conselheiros dos tribunais de contas, os procuradores federais e estaduais, os desembargadores e juízes federais, os desembargadores e juízes estaduais ─ enfim, é um milagre que não tenham enfiado aí os juízes de futebol e os bandeirinhas.
Quem poderia acabar com essa aberração? A última tentativa foi feita, ao que parece, no STF. Mas não foi. No mundo das coisas práticas, mais uma vez, houve muita falação, muita data vênia e muita cara séria fazendo discurso sobre o “estado de direito” ─ mas ação mesmo, que é bom, nada. Como sempre, ficaram ciscando durante horas a fio numa língua que poderia ser o servocroata (pior: se fosse em servocroata um cidadão da Sérvia ou da Croácia, pelo menos, iria entender alguma coisa), e no fim acabaram não indo nem para diante, nem para trás e nem para os lados. Qual é o problema dessa gente? Existem no mundo coisas permitidas e coisas proibidas. As coisas proibidas não podem ser feitas ─ nenhum cidadão pode cometer estupro, guiar embriagado ou assaltar um banco. Não há exceções. Em lugar nenhum está dito que há dois tipos de estupro, por exemplo ─ o cometido por um indivíduo comum e o cometido por um dos 55.000 portadores de “foro privilegiado”. Se o senador, o conselheiro de contas ou o “juiz do trabalho” praticarem algum destes crimes, paciência. Vão ter de ser indiciados em inquérito policial, denunciados, julgados e punidos. Fim de conversa.
Não aqui. Aqui as leis são feitas para a conversa não acabar nunca. Os leigos podem não entender isso ─ mas é preciso preservar os “agentes do Estado” de acusações injustas, não é mesmo? Se não for assim o Brasil vai acabar virando uma baderna.
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