Que teria Shakespeare, cujo nascimento e cuja morte são lembrados neste final de abril, a dizer ao Brasil de hoje? Meu palpite é que encenaria aqui sua última tragédia, aquela que o crítico Harold Bloom chamou de “sua peça política”, que o poeta T. S. Eliot preferia a Hamlet — e que o próprio Shakespeare não teve tempo de montar em vida: Coriolano, a tragédia do general romano incapaz de se curvar às regras do jogo político para conquistar o poder. “O protagonista é um exército de um homem só, a maior máquina de matar em todo Shakespeare”, diz Bloom. Imbatível no campo de batalha, incorruptível, Caio Márcio derrota o arquirrival Aufídio, general dos volscos, e conquista praticamente sozinho a cidade de Coriolo, de onde empresta o sobrenome. Retorna aclamado como futuro cônsul, líder máximo da incipiente República romana.
Shakespeare apresenta os dois princípios em tensão na formação da República romana: a aristocracia, representada por patrícios e generais como o imbatível Coriolano; e a democracia, pelos tribunos que manipulam a plebe como forma de garantir seu quinhão de poder. “Os homens de ambos os lados são apaixonadamente sinceros, porém são guiados pelo extremismo míope”, escreve o crítico David Bevington. “Os tribunos insistem, em nome da multidão, que as vozes das pessoas sejam a lei última de Roma. Coriolano, numa resposta furiosa, vê a multidão e seus tribunos eleitos como inimigos da prerrogativa hierárquica, ameaçando a própria existência do Estado.” As vozes moderadas de Menênio e Volúmnia soam ridículas diante dos dois extremos: o populismo que acredita ser possível distribuir comida de graça a todos e o militarismo que vê no governo aristocrático a única forma de manter a paz e a ordem.
Coriolano já se prestou a leituras antagônicas. O marxista Bertolt Brecht celebrou a revolta da plebe contra o general esnobe. O ator e diretor Ralph Fiennes fez do protagonista, no filme ambientado em Belgrado, um aliado de esquerdistas radicais.
A tragédia de Coriolano é, no fundo, a tragédia daqueles que, reféns de orgulho ou ideologia, são incapazes de compreender a natureza ambivalente da política.
“Se uma conclusão emerge, é que o violento conflito político conduz somente à anulação das instituições civilizadas que as poucas pessoas com moderação, como Menênio, esforçam-se, no meio do fogo cruzado, inutilmente por preservar”, diz Bevington. Eis o recado de Shakespeare ao Brasil do século XXI.
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