O que nossas metáforas dizem de nós
Para o poeta Robert Frost, a vida era um caminho que passa por encruzilhadas inevitáveis; para Fernando Pessoa, uma sombra que passa sobre um rio. Shakespeare via o mundo como um palco e Scott Fitzgerald percebia os seres humanos como barcos contra a corrente. As metáforas nos rodeiam, mas não só quando seguramos um livro nas mãos. Em nosso uso cotidiano da língua, elas são tão presentes que nem sequer percebemos. “Teto de vidro impede a carreira das mulheres”, “a bolha do aluguel”, “cortar o mal pela raiz”... Considerada a forma por antonomásia da linguagem figurada, a metáfora às vezes é tida como um mero embelezamento do discurso, um alarde intelectual ou inclusive um desvio lúdico do conhecimento lógico.
Desde 1980, com a publicação do livro Metáforas da Vida Cotidiana (Ed. Mercado de Letras), essa figura retórica recuperou seu protagonismo. É que seus autores, George Lakoff e Mark Johnson, mostraram que as alegorias desenham o mapa conceitual a partir do qual observamos, pensamos e agimos. Com frequência são nossa bússola invisível, que orienta tanto os gestos instintivos que fazemos como as decisões mais importantes que tomamos. É muito provável que aqueles que concebem a vida como uma cruz e os que a entendem como uma viagem não reajam da mesma forma ante um mesmo dilema. As metáforas são ferramentas eficazes e de múltiplas utilidades. Ao partir de elementos já conhecidos, nos ajudam a examinar realidades, conceitos e teorias novas de uma maneira prática. Também nos servem para abordar experiências traumáticas nas quais a linguagem literal se revela impotente. São vigorosos atalhos que a mente usa para assimilar situações complexas em que a literalidade acaba sendo tediosa, limitada e confusa. É mais fácil para nós entender que a depressão é uma sorte de buraco negro, que o DNA é o manual de instruções de cada ser vivo e que um banco contagia o outro.
Essas figurações dão coesão às identidades coletivas, pois circulam e se reutilizam sem cessar até que finalmente se incorporam ao acervo interpretativo: são um espelho fiel de nossa cultura. Mas essa linguagem pode se transformar numa armadilha intelectual. Há alguns anos, os psicólogos Paul Thibodeau y Lera Boroditsky, da Universidade Stanford (EUA), publicaram um trabalho em que analisavam os resultados de propor um debate sobre políticas contra a criminalidade usando duas metáforas. Quando o problema era ilustrado como se fosse um predador devorando a comunidade, a resposta era endurecer a vigilância policial e aplicar leis mais severas. No entanto, quando o problema era exposto como um vírus que infectava a cidade, os entrevistados optavam pela adoção de medidas para erradicar a desigualdade e melhorar a educação. Comparações ruins levam a políticas ruins, escreveu o Nobel de Economia Paul Krugman. Isso porque têm uma incrível versatilidade.
No campo da medicina, tem havido mudanças de paradigma com respeito ao impacto emocional das metáforas. Num recente seminário organizado pela Universidade de Navarra (Espanha), a linguista Elena Semino dissertou sobre os efeitos de abordar o câncer como se fosse uma guerra, e as sensações negativas que o paciente experimenta quando acredita estar “perdendo a batalha”. Mesmo que isso possa ser estimulante para outros. O erro, segundo a especialista, é generalizar certos campos semânticos, como o militar – algo que Galeno já fazia há 19 séculos. Para corrigir essa questão, seu grupo de pesquisa elabora o que chama de “cardápio de metáforas”, para que médicos e pacientes enfrentem a doença de uma forma mais construtiva. As boas metáforas nos trazem outras perspectivas, fronteiras menos rígidas e novas categorizações que substituem as já desgastadas.
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