domingo, 17 de dezembro de 2017

O vício

Os seres humanos são movidos por convicções e princípios, bem mais que por números. Para contabilizar números, é mais prudente primeiramente estabelecer princípios sólidos e concordar com o respeito a eles. Em seguida, os resultados aparecem como consequência. Num acordo sem respeito, com partes fraudando as condições, as relações se deterioram até o fracasso encerrar ciclos de aparente sucesso.

Podemos lembrar, como um pacto coletivo, o enfrentamento do tabagismo, que levou a erradicar um milenar vício, estupidamente nocivo, mas dominante.

Até a década de 80, fumar era aplaudido, tolerado em locais públicos e em qualquer circunstância. Isso desmoronou quando uma cruzada entrou em campo e fez do tabagismo o que ele é, um adversário. Em dez anos de persistente enfrentamento, fumar passou a ser brega, muito raro, até gerar estranheza.

O hábito desapareceu, ao menos aqui, no Brasil. Apercebe-se de que era inexplicável o extermínio de milhões de tabagistas por doenças nas vias respiratórias – uma das maiores causas de morte na humanidade e de gastos públicos com saúde.

Ninguém tomaria veneno sabendo do risco de morrer, mas os descuidos éticos dos líderes de uma nação permitiram que o vício inexplicável matasse mais que todas as guerras já combatidas. O inconsciente coletivo pode, como nesse caso, conduzir à morte quando as referências de um grupo se aliam no sentido contrário ao bem da população.

O fenômeno de rejeição, partindo de cima, das políticas públicas aplicada à realidade, tocou a consciência dos indivíduos e levou à cessão de práticas nefastas. Vence sem dar um soco, uma parada “impossível”.


Um único país no planeta, entre os mais pobres de recursos financeiros, mas desmesuradamente rico de princípios filosóficos, o Butão, proibiu a comercialização de cigarro desde épocas imemoráveis. Um país regido para ser um Shangrilá, inserido numa esfera em que a corrida dos números não ofusca o sentido moral.

Embora não tenha muita diferença entre o vício de fumar e a prática da corrupção, que inclui ínfimas vantagens até o desmonte do erário, ainda não se instalou um combate comunitário e coordenado. A corrupção, a mais antiga das transgressões, desde quando a serpente comprou Eva com uma maçã, destrói o fluxo natural da economia.

Como o leito de um rio obstruído por desmoronamentos e avalanches ao longo de seu percurso, o fluxo normal da correnteza se desvia. Inunda as matas ciliares arrastando-as em seus redemoinhos. As águas varrem o que de mais belo e proveitoso a natureza produz. Destrói casas, pontes, levando colheitas e vidas humanas. A corrupção provoca isso.

Trata-se de uma atitude com consequências incontroláveis, absolutamente contrárias ao bem comum, embora a percepção fique ofuscada por resultados imediatos que não consideram as catástrofes ao longo do vale e até chegar ao mar. A desgraça cresce progressivamente impregnando o que toca.

Quando a corrupção se insinua na base de uma pirâmide, com a leniência do vértice, apodrece o funcionamento harmônico do sistema, mas é muito pior e mais rápido quando de cima escorre pelas encostas determinando inexoravelmente a corrosão do conjunto todo.

Os profissionais da economia mundial fecharam os olhos, mantiveram os números como medidor de sucesso, sem considerar os meios impróprios. O balanço exclusivamente financeiro é efêmero, e não durável. Os países de economia mais sólida, mesmo não sendo os maiores, são os que melhor qualidade de vida dispensam – socialmente comprometidos, intolerantes com a malversação.

O resultado não pode desconsiderar os princípios e meios adotados. Os seres humanos, como peixes que vivem melhor em águas limpas, não progridem numa sociedade turbada e intoxicada pela falta de ética.

Os governantes hipócritas possuem uma extraordinária capacidade de fazer parecer legal a indigência moral. Podem se safar temporariamente, mas serão condenados pela história e já pelos contemporâneos mais lúcidos e atentos.

O Brasil não crescerá e não se estabilizará enquanto princípios não forem adotados em larga escala, e pelos seus líderes. O espetáculo a que se assiste cotidianamente comprova que, como tabagistas inveterados, caminhamos para a doença, o desajuste de nossas funções e a morte precoce.

Os sentimentos de recuperação moral pervadem as massas, mas não afloram com a veemência necessária para a mudança radical. Ao mesmo tempo em que criticam, sentindo instintivamente a “coisa” errada, espelham-se no sucesso efêmero de líderes que adotam a corrupção como profissão.

O ano de 2018 poderá ser um momento de mudar um pouco, de escolher alguns líderes que pelo exemplo possam abrir a visão das massas.

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