sábado, 2 de dezembro de 2017

Arame farpado no Jaburu: o que diriam JK e Niemeyer?

Incrível – e intrigante para este jornalista - mas de inegável apelo factual, carregado de simbologia da política, do poder e da comunicação, a reportagem assinada por Eduardo Barretto, publicada em O Globo esta semana. Revela que o Palácio do Planalto (um jeito pleonástico de denominar o governo do PMDB e penduricalhos partidários, chefiado por Michel Temer), se prepara para cercar de arames farpados áreas em volta do Palácio Residencial do Jaburu.

Neste quase final de tremendo 2017, o fato merece cuidadosa atenção, não só pelo que revela explicitamente, mas, também, pelo que fica submerso nos seus desvãos.

No primeiro caso, a notícia aponta como justificativa para cercar todo o perímetro da residência do mandatário da vez, a conclusão oficial de que o lugar tem “pontos vulneráveis”, apesar dos redobrados cuidados adotados diante do “risco de protestos e convocações de manifestações em redes sociais.

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A matéria não fala, mas é fácil deduzir que o esdrúxulo cercado tem a ver, também, com a vulnerabilidade do Jaburu para acesso de estranhos visitantes noturnos, do tipo do empresário Joesley Batista (ex-manda-chuva do grupo JBS-Friboi) que lá entrou pela garagem, tranquilamente, altas horas da noite, e gravou o presidente em uma das mais escandalosas conversas de que se tem notícia na his tória republicana do País.

Apesar das choradas dificuldades financeiras alegadas pelo governo, - ao pedir apoio para a votação do cada dia mais desidratado projeto de Reforma da Previdência, e mais sacrifícios ao cidadão comum (que sempre paga o pato, mesmo o da FIESP), - a previsão é que para construir o cercado, o governo deverá “desembolsar R$ 81, 3 mil em 1.900 metros de concertina, espirais de arame farpado, com “lâminas pontiagudas cortantes e penetrantes”.

A reportagem revela, ainda, que as avaliações para o “serviço” partiram do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), baseado em relatório específico para a residência presidencial. “Constam de três editais para comprar arame farpado, restaurar as grades e até adquirir tendas para os seguranças da residência oficial da família Temer.

“Os leilões serão na próxima terça-feira”, adianta o texto detalhadamente cuidadoso de Barreto. No comando do GSI está o general gaúcho, Sérgio Etchegoyen, ardoroso torcedor do Grêmio (que festeja a conquista da Taça Libertadores da América, em campo argentino, na quinta-feira última). Figura dura de militar, temida até pela turma do MST. O militar ganh a cada vez mais espaços nas áreas de mando efetivo do Palácio do Planalto.

Amaldiçoado seja aquele que pensa mal destas coisas, diriam os irônicos franceses. Mas o que pensariam, ou diriam, se vivos estivessem, o presidente JK e o arquiteto Oscar Niemeyer, diante das barreiras que se multiplicam nas proximidades dos palácios e ministérios, mas, principalmente, deste insólito cercado que o jornal O Globo anuncia. Responda quem souber.

Da parte que me toca, resta nisso tudo, uma certeza só, o reforço de uma invencível rejeição e ojeriza pessoal (que vem da infância) às cercas de arames farpados, somados ao temor profissional que veio mais tarde (embora com intensidade ainda maior) nas aulas das faculdades de Jornalismo e de Direito, na Universidade Federal da Bahia, nos terríveis anos 60 da minha formação acadêmica.

Foi quando li bastante, estudei um pouco, mas aprendi o suficiente sobre a origem, as aplicações ao longo do tempo e simbologia opressiva desses arames pontiagudos e suas cercas ao longo da história.

A primeira que vi de perto, e com a qual precisei conviver durante anos, foi no tempo de menino das barrancas sertanejas do São Francisco – o rio da minha aldeia . Morava na cidade amada de Santo Antônio da Glória, que tinha em Paulo Afonso o seu distrito mais importante.

Uma referência nacional, pois ali, na minha infância, se construía a grande barragem e a monumental e pioneira Usina Hidrelétrica da CHESF, marco da engenharia e da eletrificação do Nordeste (da luz, da irrigação e da geração e distribuição de energia para as residências e para as fábricas na cidade e no campo, de uma região inteira).

Uma enorme cerca de arame farpado foi erguida de uma ponta a outra daquele lugar, separando a “Vila da Chesf” - (habitada por engenheiros e suas famílias, da gente que fornecia a mão de obra mais qualificada, das forças armadas e federais de segurança, dos clubes de primeira linha, da infraestrutura de cidade moderna, dos bons colégios, estádio com refletores para jogos noturnos, e do transporte gratuito), - da “Vila Poty” (local de moradia dos operários, “cassacos” de toda parte, atraídos pelas ofertas de trabalho pesado na construção da barragem e da usina, e uma classe média formada de autoridades públicas e servidores do estado.

Filho de um deles, eu podia transitar e ter contatos com a gente “das duas partes do arame”. Foi um tempo feliz de meninice, reconheço, mas aí nasceu também a sensação amar ga e opressiva que estes cercados me causam, ainda hoje.

Esta semana, depois da reportagem sobre o cercado que se pretende construir em Brasília, em breve, corri à procura na web, de um texto lido há algum tempo, para construir as linhas finais deste artigo de informação e opinião. É uma análise assinada por Olivier Razac, publicado no Le Monde Diplomatic.

O autor escreve fundamentado em pesquisa densa e aprofundada: "o arame farpado, esta invenção de 1874, de um fazendeiro norte-americano, Joseph Glidden, para cercar as propriedades das grandes planícies, tornou-se imediatamente um instrumento político de primeira importância”.

Publicado com o título, “A simbologia dos arames farpados”, o texto de Razak assinala que em menos de um século e meio, eles se rviram para cercar as terras, e assim afasta-las dos índios nos Estados Unidos, e para encerrar populações inteiras durante a guerra de independência de Cuba (1895-1898) e na segunda guerra dos bôeres na África do Sul (1899-1902): Além disso, alimentou as trincheiras da Primeira Guerra Mundial “e forneceu cerca incandescente dos campos de concentração e exterminação nazistas”.

Tem mais, muito mais, mas não conto. Recomendo sim, vivamente, a leitura completa do texto referido, no Le Monde Diplomatic (fácil de recuperar na internet). Ou a leitura do empolgante e revelador romance da jornalista Symona Gropper, lançado mais recentemente , “A Menina que foi Vento – Memória de uma Imigrante”. Está nas livrarias, como mais que sugestivo e recomendável presente natalino. Antes que a anunciada cerca de arame farpado seja construída, de fato, em volta do Palácio Jaburu. Triste Brasília. Triste País!

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