segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Mais ricos criam grupo de aposentados precoces e aumentam disparidade da Previdência

A introdução de uma idade mínima para todos os tipos de aposentadoria é um dos pontos mais debatidos e polêmicos quando o assunto é a mudança da Previdência brasileira. O argumento de que a população aumentou a longevidade e vive mais anos justifica a regra, mantida no novo texto da reforma apresentada pelo presidente Michel Temer, nesta quarta-feira. A proposta estabelece uma idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores: homens aos 65 anos de idade e mulheres, aos 62. Sob a legislação atual, pode-se requisitar o benefício, na maioria dos casos, de duas formas no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). De acordo com o tempo de contribuição - 30 anos para mulheres e 35 anos para os homens- ou por idade, a partir de 60 anos (mulher) e 65 anos (homem) com no mínimo 15 anos de contribuição.

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Mas na prática, a regra atual cria uma distorção e quem se beneficia da aposentadoria por tempo de contribuição, antecipando o ganho da pensão antes mesmo dos 60 anos, são só os mais favorecidos. Com mais acesso a estudos, garantem empregos formais com mais facilidade do que os menos abastados, pois contribuem compulsoriamente para a Previdência com a carteira assinada. Já os trabalhadores mais pobres arcam com as dificuldades estruturais da desigualdade do país. Sem estudos, só conseguem empregos no mercado informal e portanto não contribuem seguidamente com a Previdência. Desta forma, a grande massa se aposenta, atualmente, muito mais por idade ou pelo regime de Benefício da Prestação Continuada (BPC) – benefício destinado a idosos e a deficientes físicos pobres, que só pode ser acessado por pessoas com idade a partir de 65 anos –, que paga o equivalente a um salário mínimo.

Por outro lado, os mais ricos, mesmo entrando depois no mundo laboral, são muito menos expostos à informalidade, conseguindo contribuir mais para a Previdência e assim, se aposentam precocemente, antes mesmo dos 50 ou 60 anos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) reforçam o diagnóstico de que os aposentados por tempo de contribuição estão na elite do mercado formal de trabalho e, portanto, na parte superior da distribuição de renda. São considerados aposentados ‘precoces’ mulheres na faixa de 46 a 54 anos e homens de 50 a 60 anos. Em 2015, esse grupo eram formado por 2,3 milhões de pessoas. Excluindo as aposentadorias por invalidez, eram 1,6 milhão de pessoas nessa faixa de idade já aposentados, muitos inclusive continuando no mercado de trabalho.

A pesquisa do IPEA mostra que mais da metade desse grupo estão entre os 30% (mulheres) e 50% (homens) mais ricos da população brasileira, quando se considera a renda mensal per capita. “Criamos um sistema em que os trabalhadores de maior rendimento se aposentam mais cedo, com um benefício maior e, em geral, eles tendem a ter uma expectativa de vida maior também", explica Rogério Nagamine Constanzi. O economista e outros pesquisadores do IPEA que analisaram os dados da PNAD de 2015 ressaltam ainda que os aposentados por tempo de contribuição na faixa de 50 anos possuem qualificações acima da média e, com plena capacidade laboral, continuam a trabalhar. Em 2015, a idade média dos aposentados por tempo de contribuição foi de 54,7 anos. "Aí podemos perceber que, sem uma idade mínima, a aposentadoria deixa de ser um mecanismo de substituição de renda para se tornar uma complementação de renda de pessoas com boa condição socioeconômica", diz o economista.

Trata-se de uma dinâmica cara para os cofres públicos quando a ordem é reduzir o déficit da Previdência. Para se ter uma ideia, em setembro de 2015 a despesa com previdência para esses aposentados precoces que continuavam a trabalhar chegou a um patamar similar ao gasto mensal do programa Bolsa Família na época, cerca de 2,1 bilhões de reais. A média da renda de trabalho dos aposentados precoces ocupados também era maior que dos trabalhadores não aposentados da mesma faixa de idade.

Na opinião de Constanzi, caso a proposta de idade mínima - de 62 anos para mulher e 65 para homem- enviada pelo Governo de Michel Temer seja aceita no Congresso, parte dessa distorção poderia ser eliminada, e ajudaria bastante no ajuste previdenciário que é cada dia mais inevitável. “Há uma necessidade grande de se fazer a reforma por conta do envelhecimento, mas o melhor é fazer isso corrigindo os componentes regressivos [tira mais de quem tem menos]”, explica Constanzi.

Segundo estatísticas do Registro Civil de 2016, publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil registrou no ano passado uma queda de 5,1% dos nascimentos em todas as regiões do país. Segundo previsões do instituto, a longo prazo, a tendência é que a população brasileira tenha um envelhecimento progressivo. O número de pessoas acima dos 64 anos no Brasil deve saltar de 16 milhões em 2015 para 48 milhões em 2050.

O economista destaca que o Brasil ainda tem uma população jovem, porém com o nível de despesa previdenciária de países com proporção de idosos que chega a ser o dobro da nossa. As despesas com o sistema previdenciário representam hoje cerca de 13% de todo o Produto Interno Bruto (PIB), bem acima da média da OCDE (9%) e da União Europeia (11,3%).

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