Tem quem ache que o Brasil viveu bons momentos durante a fase de genuína cleptocracia e não consegue conectar a crise de agora aos desperdícios e rombos de apenas alguns anos atrás. Isso leva a crer que o erro se repetirá e se agravará.
As delações de empreiteiros e de figuras do submundo da roubalheira, que operaram o maior assalto à coisa pública já ocorrido no planeta, são elementos que, por meio de acordos baratos de leniência, voltarão em breve “ad delinquerem”. Alguns nunca pararam, confiando que aqui é o paraíso da corrupção que está sofrendo apenas uma desaceleração. Pau torto não se endireita, torto ficará para sempre ou até ser incinerado.
Algumas interceptações telefônicas refletem a abominável cobiça que imperou e provavelmente ainda impera à sombra de renovados cuidados.
Não existem hoje ruínas de partido que possam lembrar os antigos esplendores ideológicos. Esquerda e direita apresentam-se como faces de uma moeda que apodreceu na passagem pelo poder e deixou seus fantasmas incapazes de conquistar a confiança das massas.
As intenções dos eleitores de agora não serão exatamente aquelas que se manifestaram numa campanha, mas precisam levar a sério que o sofrimento avassalador ofusca o intelecto e acende a revolta.
O que interessou aos corruptos foi o ganho, custe ou que custar. O resto ficou na irrelevância. Provavelmente, a insensibilidade, não de consciência calcificada, não permitiu concatenar os efeitos avassaladores que atingem o último elo da cadeia social, repleto de miserabilidades, de sofrimentos e de fome.
Parece que o patrimônio comum foi considerado um bolo de chocolate à disposição de quem o garfa primeiro e com maior ferocidade. Levados obcecadamente para manter o poder e se fartar temerariamente.
Os golpes se deram em expressiva parcela por meio das nomeações de apadrinhados nos principais entroncamentos das finanças públicas.
Como se dava nas cobranças de taxas e pedágios pela Coroa portuguesa nas principais vias hídricas que serviam de comunicação. Instalava-se antigamente um posto de controle armado ao longo dos rios, como aquele que resta nas margens do Jequitinhonha, lá onde acaba a região aurífera em Berilo, na erma localidade chamada Bonito.
Quem me levou a conhecer essa localidade foi o ex-prefeito João Tobinha. Chegamos lá atrasados, já na escuridão, e os poucos moradores fizeram uma festa com direito a um comício. Nunca tinham visto um deputado.
“Por que Bonito?”, perguntei. “Ora, aqui é Bonito mesmo”. Do alto do barranco se avistava, à luz do luar, um longo trecho do rio que se estreitava naquele ponto facilitando o enfrentamento de qualquer situação que rendia a cobrança de 20% aos mercadores que retornavam a Caravelas, localidade às margens do oceano na Bahia.
A Coroa apenas cobrava, sem nada fazer.
Mais recentemente os cargos cobiçados pelos líderes de partidos, mais que cabides de emprego, representam um posto avançado de cobrança de taxas, como em Bonito.
Ensina Eduardo Cunha que a cobrança se dava por meio dos apadrinhados fincados nos entroncamentos que mapeava cirurgicamente para extorquir suas propinas.
A desfaçatez e a ousadia se alongaram com outras fórmulas, como ameaçar abertura de CPI e vender o conforto da libertação do pesadelo.
Neste momento, em que as regras da corrupção se evidenciaram, o governo e o próprio Congresso deveriam legislar para que isso não se repita. Difícil!
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