quinta-feira, 11 de maio de 2017

Não há lugar para Pinzóns no novo mundo

Traem a nossa confiança desde antes da chegada de Cabral. Hoje se sabe que em janeiro de 1500 o aventureiro espanhol Vicente Pinzón deu por cá e, sem pestanejar, atacou os Potiguar no Ceará, para vendê-los como escravos. Não satisfeito, ainda legou à posteridade a sua versão dos fatos, posando de herói. Portanto, estamos acostumados com a deslealdade. Só resistimos porque nossa força é grande, e ela vem de nossas tradições. Mas, e o Brasil, quanto tempo ainda resistirá? Pinzón nos viu somente como mercadoria, e agora são os nossos direitos originários que estão à venda. Mas o rolo compressor de PECs, PLs, MPs e Portarias que ora nos ameaça pode deixar para trás somente terra arrasada. Como aconteceu no século XVI, quando o invasor europeu raspou até o último talo de pau-brasil e logo exauriu economicamente a terra que acreditou ter descoberto.

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É a economia, homem-branco: a importância de preservação do verde para o clima do planeta é conhecida, mas pouco se fala dos prejuízos econômicos que a sua destruição pode causar. Um negócio só vai adiante quando há confiança entre as partes envolvidas. Segundo a ONG internacional Iniciativa de Direitos e Recursos (Rights and Resources Initiative), em estudo divulgado no início deste ano, a insegurança jurídica implicando a posse da terra e os povos tradicionais pode afastar os investidores. O país atravessa um momento de grande instabilidade política, e o governo age como um aventureiro, impondo mudanças à força. Executivo e Legislativo querem desfigurar a Constituição para dificultar a demarcação de novas terras indígenas e, o pior, rever demarcações já feitas. Avançam vorazmente sobre o Código Florestal com a intenção de enfraquecer as regras de licenciamento ambiental – como se fossem exemplarmente cumpridas. Tratam o próprio país como se fosse colônia. Mas ao agirem de forma tão imprudente e incivilizada, perdem credibilidade e deixam cascas de banana no caminho para eles mesmos escorregarem.

Recentemente, duas vitórias da Justiça e dos povos do Xingu representaram grandes reveses contra essa política predatória. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1) suspendeu a licença de operação da usina de Belo Monte, a pedido do Ministério Público do Pará (MPF-PA). O motivo: a Norte Energia, empresa à frente do empreendimento, não executou as obras de saneamento básico na cidade de Altamira, previstas no contrato. E no dia 11, os mesmos TRF 1 e MPF-PA suspenderam a licença de instalação do projeto de mineração da empresa canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu. O estudo de impactos apresentado à Funai pela companhia foi considerado insuficiente, por não conter nenhum dado coletado dentro das áreas indígenas e por não ter sido realizada consulta prévia aos Arara e Juruna, que vivem na região. O projeto também foi paralisado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por causa de irregularidades fundiárias cometidas na aquisição de terras para sua instalação. Ou seja, o empreendimento está suspenso em duas instâncias: nas Justiças Estadual e Federal. A meta da Belo Sun é instalar a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil. A companhia canadense casou rios de dinheiro nessa aventura. Imaginem o tamanho do prejuízo.

Os tempos são outros e não há mais lugar para Pinzóns neste novo mundo.

Sonia Bone Guajajara, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

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