segunda-feira, 1 de maio de 2017

Acabou nisso

Muita gente reage com uma espécie de arrepio horrorizado quando ouve algum homem público de destaque usar em relação ao ex-presidente Lula a mesma linguagem que ele usa há anos contra os seus adversários. Chamar Lula de “bandido”, como fez recentemente numa entrevista na televisão o prefeito de São Paulo, João Doria? Não pode. É algo na fronteira do crime de lesa-pátria, do sacrilégio que rende excomunhão perpétua ou de algum outro desatino particularmente horrível. Dizer que alguém é bandido ainda é uma ofensa pesada ─ embora, quando se trata de políticos contumazes, a maioria dos brasileiros considere a definição perfeitamente correta, a começar pelo próprio Lula, que já disse que havia “300 picaretas” no Congresso Nacional. Mas, seja lá como for, querer uma linguagem de cavalheiros entre os frequentadores desse submundo é o mesmo que pedir bons modos à torcida num campo de futebol. Não dá, é claro ─ só que no caso de Lula, segundo as classes intelectuais, os peritos em ciência política, os formadores de opinião e os anexos dessa gente toda, é obrigatório abrir uma exceção. O ex-presidente, como o rei da fábula, está nu há pelo menos uns quinze anos, mas é praticamente um dever constitucional dizer que ele está de terno, gravata, colete, casaco e chapéu, mais um par de sapatos e outro de meias, enquanto não for julgado e condenado ─ coisa que, no entender dos seus devotos, só poderá ocorrer no Dia do Juízo Universal, ou talvez nem aí.

O prefeito Doria disse em público o que uma multidão de pessoas (incluindo os seus admiradores e partidários políticos, voluntários ou forçados) diz em particular: que é contra Lula, e aí é mesmo 100% contra, sem nenhuma atenuante, por não concordar com as suas ideias e por achar que o seu comportamento é criminoso. Doria afirma, simplesmente, que Lula não tem um “lado bom”. E daí? Não é o caso de entrar em estado de choque nervoso porque alguém falou isso. Na verdade, como ficar espantado depois das históricas confissões de corrupção feitas dias atrás na Operação Lava Jato? Ficou demonstrado ali, acima de qualquer dúvida, que durante treze anos e meio não existiram no Brasil os governos de Lula e de Dilma Rousseff, e sim o governo da Odebrecht S.A. ─ em associação com um extenso colar de outras empreiteiras de obras públicas, indústrias químicas e petroquímicas, empresas de construção naval e qualquer tipo de atividade que envolve fornecer alguma coisa ao governo e receber dinheiro público em pagamento.

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As confissões, inéditas na história nacional, mostraram o Brasil exatamente como ele é ─ e mostraram que esse Brasil é puro Lula. Apresentava-se como o presidente da República e dos pobres. Era, na vida real, o despachante de empreiteiros e de milionários.

Não foi só Lula, é claro, quem apareceu no seu verdadeiro papel nestes últimos dias de ação da Justiça. Mas por qual lógica o ex-presidente deveria ser considerado diferente de qualquer outro nessa manada de vigaristas se agiu, durante anos, exatamente como eles ou até pior do que eles?

A única diferença é que o seu caso é mais feio ainda ─ foi nisso, então, que o homem acabou dando? Justo ele, Lula, que passou a vida prometendo aos brasileiros ser um exemplo de mudança e de progresso moral? No fim, o político que vinha “mudar tudo” saiu igualzinho aos outros na conduta, e muito mais caro no prejuízo que deu. Dizia que estava promovendo a maior reforma social da história humana, distribuindo renda como “nunca antes”, eliminando milhões de pobres e outras miragens. Estava, mesmo, assinando medidas provisórias para favorecer a Odebrecht e outros magnatas. Sua CUT estava extorquindo dinheiro para não fazer greves. Recebia fortunas, “o mesmo que o Bill Cinton”, por “palestras” que a Odebrecht confessou serem o pagamento de favores. Seus filhos e irmãos receberam dinheiro e “investimentos” da empreiteira. Fez o BNDES dar recursos à Odebrecht para construir um porto em Cuba. Era o “Amigo” na lista de políticos comprados ou alugados pela Odebrecht para servi-­la no governo. A coisa vai daí para pior ─ uma corrupção que “surtou”, definitivamente, e que ficará na história brasileira para sempre.

Se acaso Lula não for candidato na eleição de 2018, ou se perder, a culpa não será do “juiz Sérgio Moro”, ou da conspiração construída em torno dele, como o ex-presidente já diz. A culpa será unicamente do que ele mesmo fez. Não foi Moro quem recebeu 700 000 reais da Odebrecht para reformar o sítio que frequentava ─ nem o prefeito João Doria.

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