sábado, 15 de abril de 2017

Quem vai para a rua contra o acordão

P. O senhor recebeu pressão no partido para continuar a obra?
R. Não, mas todo mundo ficou... Sou tratado como um cara exótico.
O trecho acima é de uma entrevista do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ao jornal O Estado de S. Paulo na quinta-feira. Haddad comenta com o repórter o pedido de investigação de sua campanha de 2012, acusada de receber caixa 2 da Odebrecht a pedido de Lula, segundo delatores da empresa. Nas entrelinhas, Haddad disse que, se aconteceu, foi via diretório nacional do PT, ao qual ele não tem controle.

Muito cômoda a entrevista inteira. Repete que, como todos estamos vendo sem parar há dias, a Odebrecht se achava dona da prefeitura e do Brasil. Dá a entender que gente no PT gostaria de ver nele uma prática mais amistosa com a empresa, que “é tratado com um cara exótico”. É só isso que um jovem e promissor líder da esquerda tem a dizer? Ser, no máximo, exótico dentro de uma estrutura que, desde que ele não suje as mãos, pode ser até que receba caixa 2?

Antes que comece o festival de relativismo, o argumento aqui não é defender que apenas alguns, seletivamente, ajoelhem no milho. Para ficar apenas entre eminentes políticos com berço na USP, Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente tucano, há semanas lançou que caixa 2 não é um crime como os outros, como quem diz que é preciso separar o joio do joio enquanto seus companheiros de partido, Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves protagonizam novas denúncias. Depois que Emilio Odebrecht falou assim, por alto, que houve caixa 2 para sua campanha presidencial, FHC gravou um vídeo pedindo colocar "as cartas na mesa", enquanto a Folha de S. Paulo noticia tratativas, das quais ele faria parte, para um acordão que incluiria anistia do caixa 2 e manter a elegibilidade de Lula.

Pois bem, as cartas estão na mesa e o jogo é desesperador. É tanto cinismo junto que dá uma espécie de vertigem. "Se não for o acordão, serão os aventureiros", é o que gritam os defensores do acerto, em espécie de chantagem. E então desce pesada uma nuvem de desânimo para quem não quer se redimir a esse binarismo barato, mas acredita na clássica máxima política de que não há vácuo de poder.

Nunca antes na história desse país vimos a enxurrada de aulas de corrupção, de business as usual, de didatismo sobre o mecanismo de pressão de grandes doadores na política. A Odebrecht, diga-se, cai em desgraça quando já havia perdido o posto de maior doadora universal - na campanha de 2014, a vencedora foi a “campeã nacional” da carne JBS. Vamos esperar o próximo escândalo? Porque há exemplos de sobra. A Odebrecht, que agora reencarnada como moralizadora-delatora se arvora até mesmo a dar lição de moral na imprensa por se chocar com a corrupção, foi ela mesma protagonista e sobrevivente de vários escândalos, um dos mais célebres o dos Anões do Orçamento em 1992. É especialmente chocante ver que, enquanto o processo do mensalão se desenrolava, o PT e grande parte do sistema político faziam os acertos de sempre para receber contribuições de campanha via caixa 2 e venda de legislação, segundo os delatores. Então, é a Justiça, até agora, para surpresa de muitos, o único Poder livre dos tentáculos da Odebrecht no relato dos delatores, que vai nos salvar? O temor da cadeia, que nem pode vir com os tempos do STF, que vai melhorar as práticas? Não parece verossímil.

Não se quer jogar na lata do lixo a história e os serviços prestados ao país do PT e do PSDB, mas quem neles será capaz de liderar uma ruptura inequívoca com o show de horrores a que estamos assistindo? Fora deles, quem vai para a rua agora exigir regras de transparência que sejam válidas para a eleição de 2018? Não se ouve nada.

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