O policial usava uma peruca afro que irradiava as cores do arco-íris. Seu colega andava com uma mochila de turista. À paisana, disfarçados de foliões, caçavam gente vendendo ingresso em frente ao sambódromo: misturavam-se entre as pessoas e esperavam até alguém oferecer um. Os organizadores do desfile querem evitar que alguém revenda seus ingressos – especialmente por um preço além do valor original.
No Sambódromo, em um quartinho nos fundos, há um pequeno tribunal. Para lá, são levados os casos de pequenos crimes, como a venda ilegal de ingresso. Para lá, se dirigiram os policias com suas presas: quatro pobre-coitados da periferia. Eles teriam tentado passar seus ingressos para outras pessoas. Ofereciam principalmente alguns ingressos de cortesia, distribuídos por escolas de samba em seus redutos. Não queriam receber muito: 10 reais por cada.
No Sambódromo também atuam cambistas profissionais: aqueles que compram os ingressos para grandes eventos e os vendem na porta por dez ou 20 vezes mais. Tais profissionais também foram pegos pela polícia neste dia. "Mas esse pequeno grupo parecia ter acabado de dormir na selva", contou Larissa Davidovich, a defensora pública de plantão no Sambódromo. "Eram os mais pobres dos pobres. Contei ao juiz a história deles. Um dormia na rua porque tinha acabado de se separar de sua mulher. Justiça tem algo a ver com empatia sim!"
É um argumento complicado. Muitos juristas reagiriam da forma diferente: a Justiça não depende da empatia, mas dos fatos. É preciso mostrar exemplos, ou seja, punir para assustar os futuros infratores. O direito tem que tratar a todos igualmente. E o que os policiais vão pensar disso? Para que então ficar atrás de pistas e pegar os vendedores ilícitos, se a Justiça os liberta logo depois?
De uma forma ou de outra, a defensora obteve sucesso. Os pobres puderam sair em liberdade sem a punição de pagar uma "cesta básica”, que gira em torno de 200 a 400 Reais. No entanto, eles devem sumir do entorno do Sambódromo. A decisão do juiz não teve tanto a ver com empatia, mas sim com a dúvida com relação aos fatos: qual é a infração contida no ato de revender entradas de cortesia, se nem sequer o preço original é pedido? E qual foi o prejuízo? Os quatro homens teriam realmente cometido um crime contra a economia popular, como o promotor queria acusá-los?
Mais tarde conversei longamente com a defensora Larissa. "Temos uma tendência terrível neste país", afirmou. "Alguns policiais parecem querer vestir a capa do Batman – em todo lugar enxergam um criminoso para caçar", diz. "E a tendência em nosso sistema também é a de criminalizar pequenas coisas e lotar as prisões. É um sistema que gera muita injustiça." Os afetados são, segundo ela, em sua maioria os indefesos – pobres, moradores da periferia, minorias. Ela não pode provar. Mesmo assim, ainda não viu um branco de classe média sequer no tribunal do Sambódromo.
No momento Larissa está preparando, junto com oito amigas de variadas profissões, um blog para trazer reflexões e um novo olhar sobre conflitos como esses. Não crê que nos últimos anos eles tenham aumentado na sociedade brasileira, ao contrário de alguns sociólogos. "Mas acredito que estamos perdendo a capacidade de resolver problemas através da discussão e compreensão mútua." Na época das redes sociais, todo mundo quer ter uma opinião pronta, e raramente está disposto a mudá-la, o que seria uma condição para se chegar a um êxito.
A defensora entende que, por isso, mais conflitos acabam indo para a Justiça, e que o Estado por sua vez também reage em exagero. "Há pouco tempo, em um jogo de futebol, fiz um policial desistir de uma queixa-crime contra um torcedor do Vasco", disse. "O torcedor o havia xingado muito, porque o policial não havia liberado a entrada dele com a bandeira no estádio".
"Você merece mais reconhecimento pelo seu trabalho", disse a defensora para o policial, "mas multar o torcedor do Vasco vai solucionar esse problema?" No fim, o torcedor pediu desculpas sinceras. O policial achou isso um gesto decente. Não prestou queixa.
Thomas Fischermann
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