Portanto, Sofia Lara Braga teria sido vítima de uma bala perdida na noite do sábado. A menina de dois anos e sete meses brincava no parquinho do Habib's do subúrbio carioca de Irajá. Baleada no rosto, morreu. Ou melhor, foi morta _a conjugação verbal com frequência falseia a história.
A dor, o horror e a infâmia da morte de Sofia não serão mais ou menos suaves por causa de uma palavra ou outra. Mas a permanência da expressão bala perdida contribuiu para matizar o ato mortal: alguém, mesmo sem intenção de ferir a menina, disparou a bala que lhe roubou a vida: o ladrão ou um PM.
Bala perdida abranda a condição de matador, mesmo quando este não pretendeu matar, embora tenha aceito o risco de puxar o gatilho, ao atacar ou defender. O que mata é o tiro, a bala, que não é perdida.
As ditas balas perdidas não se perdem. São achadas nos corpos atingidos ou, se transfixantes, depois de os atravessarem. O que se perde é a vida.
Às vésperas da Páscoa de 2015, um menino de dez anos, Eduardo de Jesus, filho de José e de Maria, foi morto a bala no complexo do Alemão. Engrossou o noticiário sobre balas perdidas. Na verdade, um policial alvejou-o sem querer enquanto tiroteava com traficantes de drogas.
Sempre que episódios dessa natureza são catalogados como bala perdida, é mais difícil desenvolver uma reflexão urgente: é pertinente, numa perseguição por roubo ou furto de carro, atirar se há risco de matar uma criança?
O jornalista Janio de Freitas escreveu tempos atrás: ''Inocentes vão caindo sob a designação cínica de vítimas de 'bala perdida', um salvo-conduto para a impunidade da matança''.
É isso aí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário