Para Carol, esconder as suas qualificações foi a única forma de encontrar um emprego no Brasil. Especializada em direitos humanos, hoje a advogada trabalha como caixa de supermercado e ganha um salário mínimo em Boa Vista, Roraima.
Junto com ela, milhares de venezuelanos, muitos altamente qualificados, migraram para o Brasil fugindo da fome e da crise política e econômica em seu país. O governo de Roraima estima que 30 mil vivam atualmente no estado.
Carol Formaniak e Cairlins Morales deixaram qualificações de fora do currículo para conseguir emprego |
Uma semana depois de chegar a Boa Vista, há um ano, Carol já tinha carteira de trabalho. A advogada tem dupla nacionalidade, porque seu pai era brasileiro e emigrou para a Venezuela, onde ela nasceu. Carol veio para o Brasil com o filho, de 13 anos, e o esposo, formado em administração, que trabalha como assistente em uma fábrica.
O primeiro entrave para Carol foi o diploma: a burocracia para a revalidação é enorme, o que afeta muitos imigrantes no Brasil. Com isso, ficou difícil encontrar um emprego na sua área. Depois veio a surpresa: mesmo para vagas que não pediam muita experiência, ela era recusada.
Em um escritório de advocacia que anunciava uma posição de secretária, ouviu que "era qualificada demais para a vaga". Na Venezuela, em Ciudad Bolívar, Carol trabalhou anos no Conselho Tutelar e atuou como assessora da primeira-dama do estado em violência de gênero.
"O chefe do escritório disse: 'você tem um excelente currículo e eu preciso de uma simples secretária'. Eu expliquei que precisava pagar as contas e que, para mim, o trabalho era ótimo. Ele não quis me contratar", conta.
Assim, Carol reduziu seu currículo e, dois meses depois, virou caixa de supermercado. Continuou buscando outras oportunidades, mas os empregadores sempre queriam pagar menos do que o salário mínimo ou se recusavam a assinar a sua carteira.
Carol avalia que a maior dificuldade é o preconceito com os imigrantes em Roraima. "Os brasileiros acham que viemos para roubar os seus empregos. É uma questão de mentalidade das pessoas aqui".
Sua amiga engenheira venezuelana Cairlins Morales, de 35 anos, concorda. Em Boa Vista há um ano e três meses, ela também reduziu seu currículo de cinco para uma folha. Hoje trabalha sem carteira assinada, dando aulas de reforço escolar para crianças. Ganha entre 600 e 1.500 reais por mês, dependendo do número de estudantes.
"Aqui não me tratam como profissional. Estou grávida do meu segundo filho e nem me dá vontade de ter o bebê aqui, de tão decepcionada que estou. Só não volto para a Venezuela porque tenho medo que estoure uma guerra civil", conta ela em um ritmo acelerado, com as bochechas vermelhas e as lágrimas nos cantos dos olhos. "Queria muito voltar, lá as pessoas não me olham como aqui", lamenta.
Carol e Cairlins saíram da Venezuela antes da crise de desabastecimento se agravar. A advogada conta que estava cansada de não poder decidir questões simples do cotidiano, como o que ia comer. Ela cita também o aumento da criminalidade e o colapso da saúde pública. "Cada vez que o meu filho ameaçava uma gripe, eu ficava assustada, porque não há médicos ou remédios nas farmácias", diz.
Cairlins largou o emprego de professora na universidade pública e saiu da Venezuela pela "asfixia política". "Se eu não participasse de um protesto, recebia um memorando. Se eu não votasse no governo, perdia o meu emprego. Eles sabem quem vota e quem não vota, e te mandam mensagem por celular cobrando, no dia das eleições. É uma ditadura disfarçada".
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