segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Fundamentalismo e tolerância

O laicismo, tal como hoje se apresenta e “milita” não é apenas uma opinião, um conjunto de ideias ou uma convicção, que se defende em legítimo e respeitoso diálogo com outras opiniões e convicções, como é próprio da cultura e da praxe democrática. É uma “ideologia”, ou seja, uma cosmovisão –um conjunto global de ideias, fechado em si mesmo -, que pretende ser a “única verdade” racional.

A humanidade, imaginam os defensores de uma cultura agnóstica e laicista, seria mais civilizada e feliz num mundo liberto das amarras espirituais. Será? Penso que não. O fundamentalismo islâmico é apresentado como a comprovação definitiva dos males que a religião provoca no mundo. Sonega-se um dado essencial: o terrorismo é um desvio covarde, uma instrumentalização cínica, uma apropriação criminosa de uma marca que não lhe pertence.

Cristina Benevides: A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO MUNDO E A REGIONAL NO ...:
Na verdade, a história das utopias da razão está manchada de sangue, terror e privação. A Revolução Francesa, por exemplo, não gerou apenas um magnífico ideário. A utopia de 1789, em nome da “igualdade”, da “fraternidade”e da “liberdade”, desembocou no terror da guilhotina.

A 2ª Guerra Mundial não foi acionada por gatilhos religiosos. O holocausto do povo judeu, fruto direto da insanidade de Hitler, teve alguns de seus pré-requisitos precisamente na filosofia da morte de Deus. Nietzsche, o orgulhoso idealizador do super-homem, está na raiz imediata dos campos de concentração e de extermínio programado. E não foi a religião que desencadeou o Arquipélago Gulag do stalinismo. Feitas as contas, com isenção e honestidade intelectual, é preciso reconhecer que o sonho racionalista projetou poucas luzes e muitas sombras.

A utopia, concebida no ambiente rarefeito dos gabinetes intelectuais, perfila um homem impecável, um sistema irretocável. Depois, ao topar com o homem real, com suas grandezas e misérias, não admite a evidência das limitações teóricas. Brota, então, o delírio persecutório, a síndrome da conspiração. A abstração quer se impor à realidade. E o humanismo inicial cede espaço ao obscurantismo.

O autêntico fenômeno religioso, ao contrário, só pode medrar no terreno da liberdade. Na verdade, entre uma pessoa de convicções e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O fanático impõe, fulmina, empenha-se em aliciar. A pessoa de convicções, ao contrário, assenta serenamente em suas ideias.

Precisamos, todos, promover um clima da racionalidade e de tolerância na discussão das ideias. O debate não pode ser travado em clima de Fla x Flu, marca registrada de certas manifestações nas redes sociais. Não devemos demonizar quem diverge da nossa opinião. O confronto das ideias é enriquecedor. O fechamento à discussão é tremendamente empobrecedor.

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