Tanta certeza tive de que o campeonato era nosso que não titubeei: adquiri uma sacolinha de papel para usar sobre a cabeça. Para completar o quadro, surgiram novas chances de medalhas na categoria péssimo anfitrião, quando oferecemos cangurus, vaiamos atletas e delegações adversários, incluindo os vizinhos que aprendemos a odiar.
Desmascarado, o nadador seguiu agindo com arrogância e sem dar mostras de arrependimento. Foi a essa altura que, sozinho, Lotche quase nos arrebatou a medalha dourada e eu ensaiei tirar a sacola de papel que me cobria a cabeça. Como bem sabe quem acompanhou a saga, inicialmente os americanos deram suporte aos seus atletas, mas, diante das evidências, fizeram algo cada vez mais raro no Brasil: reconheceram a gravidade da conduta dos seus compatriotas e o Comitê pediu desculpas formalmente.
Com a maturidade desse gesto, os Estados Unidos deixaram a disputa pela medalha da vergonha. Continuamos soberanos na incapacidade de reconhecer erros, admitir equívocos, curvar a cabeça diante de provas cabais e demonstrar pudor em apoiar mentiras e crimes. Não há estatística da tragédia socioeconômica, testemunho de antigos comparsas, prova documental ou gravação de conversas obscenas que consiga arrancar de nossos homens públicos e seus apoiadores uma singela admissão de culpa ou o reconhecimento da gravidade de suas condutas.
Da nota do Comitê Olímpico americano destaquei esta frase: “O comportamento desses atletas não é aceitável, muito menos representa os valores do Time Americano ou a conduta da vasta maioria de seus membros”. Pensei aqui comigo no quanto seria prazeroso ouvir algo assim de dirigentes de partidos cujos membros foram flagrados em casos de corrupção. Ou como seria confortador ouvir de alguns eleitores que não é aceitável que seus políticos de estimação mintam, manipulem, cometam crimes e permaneçam impunes.
“Em nome do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, pedimos desculpas aos nossos anfitriões no Rio e aos brasileiros pelo problema causado durante o que deveria ser apenas a celebração da excelência”, declarou o comitê americano. E já que nossos políticos são apenas hóspedes temporários em Brasília, seria de bom tom copiar o modelo acima em várias situações:
º Em nome do meu partido/coligação, peço desculpas aos brasileiros pelos crimes causados durante o que deveria ser apenas um mandato. O comportamento desses políticos não é aceitável, muito menos representa os valores do partido ou da vasta maioria de seus membros.
º O comportamento causado pelo político que elegi causou graves prejuízos ao nosso país. Isso é inaceitável. Peço desculpas aos brasileiros pelos crimes causados por minha escolha equivocada.
º Reconheço e peço desculpas ao povo brasileiro pelos crimes que cometi, pelas mentiras que espalhei para convencer incautos e por ter me locupletado com dinheiro público durante o que deveria ser apenas um mandato. Meu comportamento não é aceitável, muito menos representa os valores da Nação brasileira.
Achou excessivo? Pois lembre-se que Ryan Lochte é considerado um dos maiores atletas olímpicos de todos os tempos e os americanos não hesitaram em expor o membro doente que pode corromper toda uma sociedade. Obviamente os Estados Unidos não são exemplos de perfeição ética ─ não é isso que estou afirmando. Mas demonstraram, neste episódio específico, que prezam pela imagem de seu país e que não aceitam ser associados a condutas abjetas. O recado foi claro: mentiras são prova de péssimo caráter e não há passado glorioso que possa justificar atos vergonhosos.
É exatamente o que nos falta: um movimento vigoroso de todo o organismo social para expurgar de vez os personagens sem ética que nos fazem campeões da vergonha. Mas, antes disso, temos uma outra tarefa ainda mais árdua: tornar verdadeira a parte das desculpas que diz que os comportamentos indecorosos não representam os valores de partidos políticos, da maioria de seus membros e do conjunto da pátria brasileira.
Com a medalha dourada do vexame reluzindo na Praça dos Três Poderes, decidi manter a sacolinha de papel na cabeça.
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