Neste contexto, esteve no Brasil na semana passada o presidente da Transparência Internacional, o peruano José Carlos Ugaz, para tomar pé da situação brasileira com “os escândalos em série” que não param de enlamear a imagem internacional do país. Em sucessivas reuniões em Curitiba e Brasília, com representantes das instituições públicas de combate à corrupção e membros de entidades da sociedade civil atuantes na área, o senhor Ugaz discorreu sobre o que motivou a visita a nossa terra: informar sobre a abertura de uma representação da Transparência Internacional no Brasil; apresentar uma proposta estruturada de combate à corrupção para o país – a criação de um Sistema Nacional Anticorrupção (SNAc); e discutir a internacionalização da Lava Jato, por meio da atuação conjunta de instituições brasileiras, como o Ministério Público, a Justiça, a Polícia Federal e demais órgãos de controle interno e externo, com órgãos de fiscalização, controle e transparência de diferentes países, para investigar e processar também os crimes cometidos no exterior pelas empresas do cartel da Petrobras e outros.
Em reuniões com o juiz Sergio Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com parlamentares da Frente Parlamentar Mista de combate à Corrupção, em Brasília, com a Frente pelo Controle e Combate à Corrupção – uma iniciativa de 130 organizações da sociedade civil em conjunto com servidores da Controladoria-Geral da União (CGU) – ficou difícil explicar o descompasso entre as demandas das recentes manifestações de milhões de cidadãos e as tentativas de minar a Operação Lava Jato por parte de nossas lideranças políticas no governo. Pois prevalece nossa atração irresistível pela torção barroca de transformar o verso em reverso, a tragédia em farsa, a lei em jeitinho, o dito pelo não dito. Ao mesmo tempo que mais de 2,5 milhões de cidadãos assinam o projeto de iniciativa popular em prol da consolidação de uma cultura anticorrupão, como as 10 Medidas contra a Corrupção, de iniciativa do Ministério Público Federal, e liderado pelo promotor Deltan Dallagnol, o presidente Temer resolve extinguir nossa maior instituição de controle interno de contas, a CGU, sob a alegação de integrá-la a um novo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, que os humoristas correram a apelidar de Trafico, e os servidores técnicos de auditoria financeira da CGU a questionar sua autonomia institucional e investigativa diante de demais ministérios do mesmo patamar hierárquico.
E toma essa decisão quando a razão de eficiência de um órgão de controladoria, como primeiro produtor de indícios e provas de desvio de recursos públicos para as posteriores investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, está justamente no reconhecimento de sua superioridade hierárquica diante de demais ministérios e órgãos de governo, quando a CGU, até então, respondia diretamente à Presidência da República. Nada mais torcido, retorcido e distorcido. Nada mais barroco como a curva de Moebius, aquela figura que une o verso ao reverso, o direito ao avesso. Nossa instituição de controle da corrupção é distorcida, pois passa a ser rebaixada ao nível dos órgãos que terá de controlar. Ou seja, a função de controle sem o efetivo poder de controle é apenas de fachada, a própria corrupção de seu valor intrínseco que é a moralidade pública. Uma vez que a moralidade pública sem aplicação política é apenas o retorcer e distorcer da prática (mores, conduta) para a teoria (teorein, ver). “Para inglês ver”.
E este foi declarado como um dos objetivos primordiais da Transparência Internacional no Brasil: “Avaliar se o novo MTFC [Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle] preservará efetivamente as realizações bem-sucedidas da CGU, e se avançará naquilo que o órgão não pôde alcançar, contando com autonomia, dotação orçamentária e apoio político do presidente interino para liderar a luta contra a corrupção com a seriedade e a ambição que os brasileiros e a comunidade internacional esperam”, disse a organização em documento enviado aos participantes da OGP no Brasil (Parceria para Governo Aberto), da qual o Brasil foi um dos primeiros signatários em 2011.
Simultaneamente à visita, e com mais de 2 milhões de assinaturas, o projeto das 10 Medidas contra a Corrupção aguarda o parecer da comissão especial da Câmara dos Deputados para ser encaminhado e votado pelo Plenário da casa, sem previsão de prazo. O colegiado foi criado no último dia 14 de junho, mas até agora apenas 16 dos 30 integrantes foram indicados pelos líderes partidários. Ainda faltam indicações de PMDB (4), PT (3), PP (2), PTN (1) e PSC (1), uma vez que, somente com a composição completa, começa a contar o prazo de 40 sessões para que a comissão conclua os trabalhos. Será que as raposas vão mesmo cuidar do galinheiro?
Em caminho oposto ao projeto das 10 Medidas que não tramita, o projeto de lei contra o abuso de autoridade ressuscitado pelo senador Renan Calheiros, um dos investigados pela Lava Jato, que pode ser ardilosamente usado para cercear as iniciativas da operação, está previsto para ser votado a toque de caixa, provavelmente até o dia 13 de julho próximo. Veja o alerta feito pela Agente de Cidadania Lenice Moura aqui.
Relator do projeto das 10 Medidas, o deputado Mendes Thame, do PV-SP, está otimista que ainda nesta semana o PMDB faça a indicação de seus membros à comissão, constrangendo à ação os demais partidos, mas essa não é a posição do senador Romero Jucá, do próprio PMDB e também investigado pela Lava Jato, que assegura que a prioridade do governo é a pauta econômica e não o projeto das 10 Medidas. Ou seja: o governo não quer entender que sua indefinição quanto às medidas anticorrupção pode influenciar a própria efetividade da pauta econômica, em dissonância com a expectativa da sociedade e dos próprios agentes econômicos, que anseiam pela segurança jurídica do pleno funcionamento das instituições públicas para voltar a investir no Brasil. E, assim, seguimos embarcados nesta Nau dos insensatos, pintada pelo magistral artista holandês Hieronymus Bosch exatamente no ano da descoberta do Brasil. Nau tripulada pelos cristãos novos portugueses, desgarrados da “Nau da Salvação” da Igreja Católica que não lhes dava outra alternativa, a não ser o mar imperscrutável e a crença amoral de que o homem teria o poder de escolher seu destino. Se esee foi mesmo nosso vaticínio, aceitá-lo é o início de nos livrarmos de tamanho estigma.
Jorge Maranhão
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