sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Dias tristes

Não consigo compreender a explosão de alegria no plenário da Câmara ao saber que Eduardo Cunha acolhera o pedido de impeachment contra a presidente da República. Ela, incompetente e arrogante, ele um parlamentar acusado de corrupção, vinham travando uma batalha há meses, cada um preocupado com seu destino, nenhum dos dois preocupado com o Brasil. Não vejo motivos para alegria.


Da minha parte, fiquei triste. É o início do verão do nosso desconsolo. A corda do cabo de guerra – com barganha dos dois lados – esticou de tal modo que esfiapou e anteontem acabou por arrebentar. Agora teremos mais paralisia ainda, pois a economia que já está em seu nível mais perigoso, terá que aguardar toda a longa tramitação do processo de impeachment. Que não é pequeno.

O duelo entre dona Dilma e Cunha foi uma vergonha. Seja lá qual for o desfecho, o fato é que os inúmeros passos dos combatentes são uma mancha da qual não nos livraremos, nem tão cedo.

Dona Dilma, no mais curto discurso que fez à Nação desde que recebeu a faixa pela primeira vez, procurou se fazer de vítima impoluta de um algoz, cujo nome ela não cita, que é puro pecado. Eduardo Cunha se apresenta como um Sir Galahad com a armadura enferrujada. Declarou não ter nenhuma felicidade no ato que praticava: o pedido de impeachment da presidente!

Ela, a presidente, só sabe dizer que é honesta. Como se isso fosse uma qualidade extraordinária. Dona Dilma com certeza pensa que desonesto é só quem bate carteiras ou assalta bancos. Era bom que alguém lhe dissesse que enganar eleitores, como ela fez para vencer na última campanha, é desonesto.

Do lado dele, confesso, é muito estranho, mas cada vez que Eduardo Cunha se aproxima de um microfone quando está dentro do Congresso, eu me lembro do filme ‘O Iluminado’, de Stanley Kubrick, e fico com a mesma sensação de medo. Não sei se é seu olhar fixo, se é seu sorriso frio, se é o ambiente daquela Casa que devia ser do povo, mas que é tudo, menos isso. Sei lá, o que sei é que fico com medo.

Lula, Dilma e o PT se gabam das conquistas sociais nesses últimos doze anos. A maior delas: a possibilidade de cada família brasileira abrir um crediário para poder comprar os eletrônicos e o carro que lhes dá a ilusão de ter ascendido à classe média. Possibilidade que agora se esvai.

O ex-presidente bate no peito para dizer que nunca ninguém criou tantas universidades quanto ele. Só esqueceram de lhe dizer que universidade não é só o prédio: é muito mais do que isso e esse muito mais, não foi lembrado...

Alias, por falar na figura do ex-presidente em exercício, era melhor ele ter continuado calado do que dizer o que disse ontem aqui no Rio: que o pedido do impeachment é uma insanidade. De quem? De quem cutucou o homem-bomba com um longo alfinete ao não acreditar do que ele era capaz, ou dele, do cutucado?

Estamos numa fase negra: inflação desembestando, parcas conquistas sociais se desfazendo, o desemprego a níveis impressionantes, a fome começando a bater nas portas e, além disso, tudo, o maior inimigo à solta, o aedes aegypti.

Essa, que deveria ser a maior preocupação dos brasileiros preocupados com o futuro, com certeza vai ficar congelada à espera do resultado do processo de impeachment.

Ou você, leitor, acha que algum dos grão-duques da Nação vai parar para pensar na devastação feita por esse infeliz mosquito que se vale das precárias condições de saneamento em que muitos brasileiros vivem? Ou que só vão pensar em esmagar ou em incensar o crescimento do processo que começou ontem?

Como comemorar, seja lá o que for, Natal, Réveillon, Carnaval, Impeachment, Olimpíadas, sabendo que até agora já são mais de 1200 os bebês abatidos pelo zika vírus?

Dias tristes, isso sim.

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