Para quem não lembra, o Cais é uma área de mais de 100 mil metros quadrados estrategicamente situado às margens do Capibaribe, ao lado do centro histórico e no caminho para a valorizada zona sul da cidade. Ele foi arrematado por um preço subfaturado pelo Consórcio Novo Recife, formado pelas construtoras Moura Dubeux, Ara Empreendimentos, GL Empreendimentos e Queiroz Galvão. As empreiteiras pretendem construir 12 torres de cerca de 40 andares de uso estritamente privado no local. O projeto Novo Recife é um caso típico da arquitetura do medo que vemos se implantar nas cidades brasileiras.
Lutas como as do MOE (ou do Ocupe Cocó, em Fortaleza, ou Ocupe Golfe, no Rio, ou ainda o Ocupe Parque Augusta e a recente ocupação das escolas estaduais em São Paulo, entre outras) apontam para o descolamento entre estas formas de mobilização social e os mecanismos tradicionais de representação política, especialmente os partidos e seus eleitos no legislativo e no executivo. A crise da democracia representativa não é nova, como se sabe. Mas, no caso brasileiro, a adoção de políticas neoliberais que incrustaram interesses privados minoritários dentro do aparelho do Estado em um nível sem precedentes veio de par com a redemocratização e o entusiasmo das forças progressistas ávidas por entrarem na cena política. Elas eram ligadas a velhos e novos movimentos sociais, de luta pela terra, por direitos trabalhistas, em defesa do meio ambiente, dos consumidores, de mulheres, gays, lésbicas, negros e negras etc.
A febre participativa dos anos 1980 criou uma contracorrente em relação à onda neoliberal e ajuda a entender a eleição de candidatos do PT, primeiro no legislativo e nas prefeituras de grandes cidades nas últimas décadas do século passado, e, finalmente, na Presidência da República a partir de 2002. É como se a redemocratização tivesse filtrado e retardado a formação do consenso neoliberal e, por conseguinte, a crise da democracia representativa no Brasil, já que uma parte dela se deve à percepção da anulação da política pela privatização do Estado. Foi, sobretudo, a partir da recente estagnação econômica e seus efeitos políticos amplificados pela grande mídia que a descrença nos partidos e seus eleitos se consolidou ao alcançar o PT, sincronizando, por fim, os contextos nacional e internacional nos quais cresciam as mobilizações de tipo “Ocupe”. A aposta equivocada do Partido dos Trabalhadores em uma “ligação direta” com as classes populares através dos ganhos trazidos pela onda de prosperidade, em detrimento da politização, afastou o partido daquelas forças progressistas e alimentou a sua desmobilização. Assim, o esvaziamento do público e da política puderam prosseguir sem ameaçar as vitórias eleitorais do partido. Mas quando as conquistas não vêm acompanhadas de politização, podem ser percebidas como naturais ou como resultantes apenas do esforço individual, o que parece explicar por que uma parte expressiva do voto popular migrou para outros partidos nas eleições de 2014. Some-se a isto a campanha que a grande mídia tem feito contra o PT. O resultado é a sensação de que “todos os partidos são iguais” e de que nenhum deles vale a pena. Do ponto de vista das classes médias, os custos do abandono do público pela redução do Estado à condição de gestor de interesses privados minoritários apareceram como uma crise urbana sem precedentes. Assim, o desgaste da democracia representativa instalou-se de vez e traçou o contexto de surgimento dos movimentos de tipo “Ocupe”, no Brasil.Leia mais o artigo de Maria Eduarda da Mota Rocha
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