terça-feira, 16 de junho de 2015

Deu defeito

Não estou inventando a roda, nem descobrindo a pólvora. E, para continuar com as velhas e desgastadas expressões, estou chovendo no molhado, falando do todo mundo sabe, quase todo mundo vê, poucos se mexem.

Quem nunca ouviu falar dos nem-nem – os que não estão na escola, nem têm trabalho? Têm entre 15 e 29 anos. São milhares. Em 2013, eram 73 milhões estimados no mundo. No Brasil, em 2015, são quase 10 milhões.

Espelham um dos defeitos capitalismo contemporâneo. Aqui, o desemprego entre os desse recorte de idade chega aos 16%. Quase três vezes mais do que a taxa média nacional, que está em 6%.

Mundo afora, os nem-nem são párias do mundo dito moderno. Eles não cabem na planilha dos empregos, sobram na das escolas. Desesperançados ou indignados, são zumbis do sistema social que, para dar identidade aos adultos, exige qualificação e produção. Dai saem rebelião e rebelados. Vide incêndios nas periferias francesas, ocupe wall street, junho de 2013 no Brasil.

Os nem-nem não tem nem uma, nem outra. Seu ninho é o limbo social. Uma minoria, sortuda, ainda merece o apelido de nem-nem acolchoado. São aqueles que a família abriga e suporta (nos dois sentidos do termo).

A maioria fica na coluna dos nem-nem desfamiliarizados, os que não têm - ou têm pouco - vínculo familiar, nem qualquer proteção social. São só números estimados do PNAD. Se viram. E o sevirex é cargo que não exige liturgia, cerimônia ou especialidade. Só improviso. Do bem e do mal.

A estimada maioria dos nem-nem brasileiros é composta de meninas - 69% contra 57% de meninos. Só dar uma espiadela nos números das mulheres presas – que cresce a cada ano, aliás – para ver qual a faixa etária das meninas delinquentes ou criminosas mesmo.

Os meninos-bandidos estão aí nas páginas. Já se espalharam das periferias para os interiores brasileiros. Quantos anos têm os quatro estupradores de Castelo, a cidadezinha de 18 mil habitantes lá do Piauí? De 15 a 17 anos.

O mais novo, aos 15, já tem 13 processos. A primeira vez que “passou” pela polícia tinha oito anos. Só um frequenta a escola esporadicamente. Nenhum tem trabalho fixo, todos têm famílias problemáticas.

Não é diferente com os esfaqueadores do Rio de Janeiro, São Paulo, DF, Goiânia...

Para eles e contra eles o que estamos planejando? Cadeia. Essa que têm altíssimos índices de recuperação dos que por lá passam. Nossas cadeias, afinal, são um primor. Masmorras invariavelmente superlotadas, escolas de violência e degradação.

Mas tudo será diferente com a lei para redução da maioridade penal – dos 18 para os 16. Pronto. Meninos que estupram, espancam e matam agora vão pra cadeia brava, não mais terão a moleza dos três anos das internações socioeducativas.

Tudo resolvido. A sociedade amedrontada poderá respirar aliviada.

Pode mesmo?

A violência está restrita aos menores-bandidos? Não deixou de ser epidêmica para ser endêmica?

Como teremos cadeias para todos os criminosos – menores e maiores?

Agora mesmo, enquanto escrevo, vejo manchete on-line: “Presos liberados por falta de delegado”. Isso em Tocantins. Estado rico, vizinho do DF.

Castelo, do Piauí, onde as meninas estudantes foram trucidadas – e uma morreu -, tem 500 menores em situação de vulnerabilidade listados pelo Conselho Tutelar, e alguns programas sociais voltados para eles.

A segurança pública de Castelo conta com três policiais militares. O delegado, além da cidade, atende a três outros municípios.

As exemplares prisões brasileiras têm déficit de 210 mil vagas. São 567 mil presos para 357 vagas, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Isso sem contar a nova leva dos ex-menores.

As equipes técnicas que atuam nas prisões também são de primeira. Semana passada, por exemplo, de novo em Tocantins, dois presos que denunciaram tortura foram decapitados uns dias depois. Cadeia exemplar, sem dúvida.

É aflitivo ver o reducionismo com que são tratadas – engolidas e adotadas até por gente insuspeita - questões cruciais da sociedade brasileira.

Fala sério. Redução da maioridade penal sem cadeia, sem polícia, sem nem bordejar a questão dos nem-nem é má intenção, banalidade, faz de conta. Jogada para a plateia. Mais uma.

PS.: Por falar em nem-nem, alguém tem notícia do Programa Nacional do Primeiro Emprego? Morreu de inanição antes da maioridade?

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