quarta-feira, 17 de junho de 2015

Cortina de fumaça

Se tivéssemos uma legislação restritiva à propaganda de álcool, tal qual à relativa ao tabaco, talvez pudéssemos contribuir para reduzir os índices de violência no Brasil

Quando recordo cenas da minha juventude, vejo tudo envolto em fumaça de cigarro. Fumavam os galãs nas telas do cinema e da televisão. Fumavam os professores nas salas de aula. Fumavam amigos, conhecidos e parentes. Os craques de futebol fumavam. Até eu fumava! Quem não fumava encontrava-se numa espécie de limbo social. A primeira verificação sobre o número de fumantes no Brasil ocorreu apenas em 1989 – a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição apontou que 40% dos homens e 26% das mulheres acima de 15 anos faziam uso constante de cigarro.

Desde 1988, quando passou a ser obrigatória a inclusão nos maços da frase “Fumar é prejudicial à saúde”, até hoje, o Estado vem gradativamente ampliando o cerco à indústria tabagista. Os golpes mais decisivos vieram em 2000, com a proibição total de propaganda em revistas, jornais, outdoors, rádio e televisão e o patrocínio de eventos culturais e esportivos, e em 2011, com a proibição do fumo em lugares fechados. Também contribuiu o aumento do preço do produto, provocado pela ampliação da carga tributária, equivalente a cerca de 80% do valor final. O resultado desse esforço é visível nas ruas – quantificado em números, mostra que o percentual de fumantes desabou para 13% entre homens e 9% entre mulheres no ano passado, sendo que, na faixa dos 18 aos 24 anos, a média é ainda menor, 8%.


Uma das coisas que mais espantam os estrangeiros em relação ao Brasil é descobrir que aqui há leis que “pegam” e que “não pegam”. Ou seja, o que define a aceitação do cumprimento de um princípio legal não é a obrigatoriedade, mas sim sua pretensa legitimidade, decidida, em última instância, pelo próprio indivíduo. Os especialistas explicam que essa resistência deve-se basicamente ao fato de que as leis, que são sempre impositivas, nunca vêm acompanhadas de ações educativas. O sucesso das restrições ao consumo de tabaco é, portanto, algo a ser comemorado.

E exatamente por isso me pergunto porque não agimos da mesma maneira com relação ao álcool. A lei 9.294, de 1996, a primeira a tratar da proibição da propaganda de cigarro em veículos de comunicação, também incluía bebidas alcoólicas, mas restringindo-as àquelas com teor superior a 13 graus, deixando de fora, portanto, a cerveja e o chope, produtos que equivalem a 61% do total do consumo nacional. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os brasileiros ingerem 8,7 litros de álcool puro por ano, 50% a mais que a média mundial, de 6,2 litros por ano.

As propagandas de bebidas alcoólicas reproduzem os mesmos estereótipos que antigamente promoviam a venda de cigarro: machismo e sucesso pessoal

A questão é que, enquanto a principal vítima do consumo de cigarro é o fumante ativo (embora o passivo também seja atingido, em menor grau), a ingestão de álcool, além de provocar doenças no próprio consumidor – está vinculado a diversos tipos de câncer, pancreatite, cirrose hepática e distúrbios cardíacos –, é também responsável por graves problemas sociais. Segundo dados do Ministério da Saúde, 12% da população brasileira acima de 15 anos é dependente de álcool. Estudo do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) mostra que uma pessoa embriagada tem duas vezes mais propensão à agressão física que alguém sóbrio, dez vezes mais inclinação ao uso de armas e quatro vezes mais disposição ao abuso sexual.

Se tivéssemos uma legislação restritiva à propaganda de álcool nos veículos de comunicação e ao patrocínio de eventos culturais e esportivos, tal qual à relativa à indústria do tabaco, talvez pudéssemos oferecer uma importante contribuição para reduzir os alarmantes índices de violência no Brasil. As propagandas de bebidas alcoólicas reproduzem os mesmos estereótipos que antigamente promoviam a venda de cigarro: machismo e sucesso pessoal. Assim, na contramão da diminuição do consumo de tabaco – 30% em nove anos – o mercado de álcool cresceu 20%.


Calcula-se que metade das 40 mil mortes anuais verificadas no trânsito tenham como causa o consumo de álcool – segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar da lei seca, 24% dos brasileiros admitem que dirigem após beber. Por outro lado, pesquisa do Cebrid aponta que 52% dos problemas de violência doméstica estão diretamente ligados ao álcool e 30% dos homens com menos de 30 anos afirmam ter se envolvido em brigas com agressão física após se embriagarem. O Brasil perde algo em torno de 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de problemas ligados ao álcool, ou seja R$ 372 bilhões, quase quatro vezes o orçamento destinado ao Ministério da Saúde... 

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