segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Muito barulho para esconder a mesma sujeira



O que é bom a gente mostra. O que é ruim a gente esconde
Rubens Ricúpero, ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, em 1994 antes do início de uma entrevista captada por antenas parabólicas  


É com a máxima presteza que Dilma vai de um extremo a outro sem a mínima vergonha, talvez esquecida do que diz antes. Foi capaz de condenar o atentado em Paris - "Barbárie!" - esquecida que ocupou o parlatório da ONU, em Nova Iorque, diante da Assembleia Geral, para defender negociações com o Estado Islâmico, exterminador de gente em chacinas.

Agora, com amplo destaque na mídia, para uso interno, advogou as súplicas ao governo indonésio para a clemência ao brasileiro instrutor de asa delta, que traficou drogas para aquele país, onde o tráfico é condenado com a morte.

A presidente foi ao cúmulo de se dizer "consternada e indignada" com a execução. Deu uma de santinha, sabendo que o caso era perdido, porque Joko Widodo, presidente indonésio, também queria tirar casquinha da execução para dar ibope em casa. Ou seja, um brasileiro que vivo ou morto daria apenas pontos para os governantes, independente do crime que cometeu. Apenas mais um caso usado e abusado pelos governos, que não têm consideração por ninguém fora do grupo.

Aqui houve mais um gesto de cretinice dos "revoltados" com a execução, não admitida felizmente no país. Confundem respeito às leis soberanas de um país, no caso islâmico, apontam-nas como barbárie, mas esquecem que nos Estados Unidos a pena de morte também existe. Seríamos tão clementes com um brasileiro condenado por lá? Achincalharíamos os States? Ou a China?

Num momento de falta de manchete, a execução ganhou a mídia e as redes sociais, exageradamente. Se condenou a Indonésia, por vezes até esculhambada, e se apelou em massa para a liberação do condenado, muito mais do que se falou nas chacinas de Pedrinhas. A cobertura jornalística chegou às raias do apelativo, quando as prisões brasileiras não são diferentes das de lá. O privilégio, o tráfico, o uso indiscriminado de celulares, smartphone, iPad, estão nas cadeias de lá como nas daqui. Portanto não seremos assim tão superiores, nem muito tão civilizados, em relação aos indonésios. A sujeira penitenciária é igual. A diferença é a pena, porque lá se mata e aqui se deixa sair pela porta da frente.

Pedimos a clemência de um condenado no exterior, mas esquecemos de com a mesma força criticar penas de menos de um ano de prisão os políticos corruptos, por terem trabalhado e estudado na prisão; deixamos encarcerados por anos sem estudo e trabalho os pobres ladrões de galinha, até mesmo inocentes. Mas esses não merecem clemência, porque não dão voto nem contribuem para a imagem civilizada da presidente, que abriga em seu ministério gente com prontuário na Justiça ou procura esconder a corrupção generalizada.

A pena de morte não exterminará o tráfico e é mesmo condenável, mas não se pode aproveitar a execução de Marco Archer para se esconder as mazelas brasileiras em relação ao tráfico, que aqui encontrou um paraíso, até propiciado por falta de ações governamentais, às prisões abarrotadas onde tudo se comercializa, à corrupção de baixo a alto escalão.

Se a Indonésia executou um brasileiro, aqui se condenam e executam brasileiros por minuto sem que haja tanto movimento por clemência dessas vítimas. Criticar tanto o rabo dos outros é feio, quando o nosso está emporcalhado, talvez mais do que achamos.

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