segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Terras raras e minerais críticos. Galeano tinha razão?

O mundo mudou neste século 21, e graças à explosão da globalização os bens passaram a ser fabricados nos mais diversos países e continentes pela disseminação do conceito e do uso das cadeias de valores. A produção de bens hoje é complexa, e fabricar um único bem pode representar etapas intermediarias de fabricação e agregação de componentes em diversos países antes de chegar ao consumidor final.

Abastecer essas cadeias de valores passou a ser crucial, e em boa parte feito com semicondutores e circuitos integrados (chips), pois estes são os componentes que viabilizam a fabricação desde relógios, computadores, celulares até automóveis que não existem mais sem a chamada “eletrônica embarcada”. Os semicondutores e outros produtos eletrônicos também necessitam de matérias primas chamadas minerais críticos, aí incluídas as terras raras.

Logo após o final da epidemia de covid-19, o mundo sofreu, pela primeira vez, graves consequências decorrentes da falta de semicondutores: muitas fábricas em diversos setores pararam, e a falta de produção provocou uma escassez que resultou em desemprego e inflação, que levou anos para ser debelada.

Desta vez teme-se pelo mesmo, só que as razões são diferentes, e devem-se à disputa por minérios travada principalmente entre Estados Unidos e China. Descontente com as negociações com o presidente dos Estados Unidos, o governo chinês ameaçou interromper a exportação de terras raras. A ameaça dos chineses foi consequência de Trump ter proibido empresas americanas de venderem seus chips avançados para a China. Ou seja, o conflito geopolítico estabeleceu-se como decorrência do uso de peças, componentes ou produtos e como forma de um país pressionar o outro. A discussão foi apenas suspensa, mas o assunto ainda não está resolvido.

O fato é que terras raras e outros minérios são decisivos na geopolítica. As terras raras — que não são raras, mas que abundam em poucos países — entre eles a China e o Brasil — incluem cerca de 17 elementos, entre os quais destacam-se o escândio, o ítrio e o lantânio, usados na fabricação de telas de celulares, motores de carros elétricos, sistemas de defesa, turbinas eólicas, ímãs e outros produtos fundamentais para a economia mundial. A China é forte não apenas por possuir as terras raras, mas por deter competência na extração e refino das mesmas. Só ela responde por 80% da capacidade mundial nesse quesito.

O Brasil, apesar de possuir reservas enormes, infelizmente não possui domínio sobre essas etapas, e, portanto, depende da China. E o Brasil também é rico em reservas de outros minérios como lítio, níquel, cobalto e nióbio, que por sua vez são vitais para a produção de produtos chamados de alta tecnologia, mas, da mesma forma, no máximo conseguimos realizar a extração, não detendo a tecnologia para fazer nem o processamento e muito menos obter bens como baterias para celulares, carros elétricos ou computadores.

Infelizmente os países sul-americanos são donos da sina de apenas saberem exportar minério bruto para depois importarem os respectivos produtos finais, que é onde entra a agregação de valor. No caso da energia solar, a situação é lamentável se considerarmos que somos um país com alta exposição solar. No entanto não sabemos produzir nem os bens movidos por energia solar e nem os equipamentos fotovoltaicos que são usados para transformar a luz solar em energia, que precisam ser comprados da China.

Em 1973, Eduardo Galeano, um jornalista uruguaio, escreveu seu livro mais famoso, As veias abertas da América Latina. Ali ele descreve com muita competência como os países da nossa região não passam de simples fornecedores de matéria prima para os países mais desenvolvidos. Estes não pagam quase nada por elas, mas fazem o processamento das mesmas em seus países e assim fabricam os produtos sofisticados, que depois acabamos comprando, e, por sinal pagando muito.

Será que nada mudou em mais de meio século?

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