Bem mais opaco é o negócio que o governo Donald Trump decidiu oferecer a dezenas de países para fazer sumir levas de imigrantes não documentados e “liberar” os Estados Unidos desse sangue indesejável. Segundo investigação do jornalista americano Nick Turse publicada no Intercept, o plano resultaria na criação de uma espécie de gulag global onde despejar essa gente.
Tudo com o beneplácito da Suprema Corte americana, que decidiu, na semana passada, permitir deportações sem aviso prévio ou oportunidade para a defesa do migrante. Foi ligeirinha e sem maiores explicações a decisão da maioria conservadora (6 votos a 3), quase ao estilo de um Hugo Motta — ela simplesmente reverteu uma ordem federal anterior que suspendia a prática. As opiniões discordantes se concentraram em três das quatro magistradas mulheres — Sonia Sotomayor, Elena Kagan, Ketanji Brown Jackson. Para elas, a decisão majoritária constituiu uma clara violação dos direitos constitucionais e humanos em solo americano, além de representar um “grosseiro abuso de poder” da Suprema Corte. Tricia McLaughlin, porta-voz do Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (o temido ICE), cujos agentes têm se notabilizado por truculência perversa, qualificou a decisão como “vitória para a segurança do povo americano”.
A investigação empreendida por Turse parte de um memorando interno de Marco Rubio, chefe do Departamento de Estado, datado de 14 de junho passado e obtido originalmente pelo Washington Post. Estava endereçado a diplomatas postados em 36 países do terceiro e quarto mundos, cujos cidadãos foram recentemente ameaçados de ser barrados ao entrar nos Estados Unidos. A ação punitiva, dizia o documento, se baseava em justificativas variadas: desde o país em questão “não dispor de autoridade central competente nem cooperativa no fornecimento de documentos confiáveis” até ser patrocinador de terrorismo. Contudo o Departamento de Estado oferecia ao país infrator uma forma de mitigar a adoção da penalidade — aceitar deportados de outras nacionalidades.
Foi assim que 53 nações, muitas das quais ostentam os piores índices sociais, econômicos e democráticos do mundo, já foram, de acordo com a reportagem, submetidas em sigilo a convencimento para virar depósitos de deportados. Ou, como escreve Turse, um “arquipélago de injustiças”, composto justamente por países acusados pelos próprios Estados Unidos de violar direitos humanos ou por nações à beira de guerras civis. De Angola a Zimbábue, passando por Djibouti, República do Congo e Sudão do Sul, a lista preenche um alfabeto inteiro formando um gulag global para migrantes desenraizados à força — até mesmo do continente em que nasceram ou viviam.
Na mesma semana do voto a favor da deportação em massa de Trump, o noticiário digital jorrou detalhes sobre um grupo de migrantes mais rarefeito. Expatriaram-se temporária e voluntariamente como convidados à stravaganza de três dias numa Veneza alugada por US$ 20 milhões, onde se comemorou o “casamento do século”, de Jeff Bezos com Lauren Sánchez. Alguns chegaram de iate, outros em avião particular. Falcões foram alugados pelo noivo para que pombos não perturbassem o cenário idílico. Na Ilha de San Giorgio Maggiore, local da cerimônia propriamente dita, perto de 30 ex-fuzileiros navais haviam sido contratados para garantir a segurança dos 200 convivas — Bezos tem seu próprio plantel de dez guarda-costas em tempo integral, tão prontos a agir quanto agentes do ICE. Lady Gaga e Elton John formaram um dueto, ao preço de US$ 1 milhão para cada um. Difícil não evocar a obra-prima de F. Scott Fitzgerald, até porque Leonardo DiCaprio, que interpretou “O Grande Gatsby” no cinema, foi uma das estrelas da festança.
No romance ambientado na decadência dos anos 1920, o sonho corrompido pela fortuna de Jay Gatsby foi inatingível. O dos magnatas no poder em 2025 será diferente?
Nenhum comentário:
Postar um comentário