Vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, traduzido em 16 países e proibido a estudantes do Paraná, Mato Grosso e Goiás, o livro pode ser entendido como uma obra sobre o afeto entre filho e pai, a complexidade das relações raciais no Brasil, a violência cotidiana de gestos, palavras, supostas piadas, abordagens policiais a que os negros brasileiros são submetidos. Fala da dificuldade de ensinar literatura a jovens, e da corrida do professor entre colégios para ter uma renda. É um livro sobre o Brasil com suas feridas. É tudo, menos um livro de pornografia.
Quem quer censurar usa uma cena ou um palavrão para atirar contra o livro. Pretexto. Parte de quem não vê o que é realmente escandaloso no país. É a educação ter caído no IDH em 2022. É sermos ainda um país que fere diariamente os negros com uma divisão inaceitável. Muita gente tem reagido em defesa do livro, mas ficam as dúvidas. Quando termina um movimento que começa com a retirada de livros das escolas? Que mal íntimo a censura faz ao autor? Perguntei a Jeferson Tenório se esses fatos podem acabar provocando a autocensura.
— Acho que isso é uma das estratégias do ultraconservadorismo, em que se inverte a lógica. Então você coloca a culpa na vítima. Como se fosse um crime colocar um palavrão ou uma cena de sexo num livro. E aí o autor, o artista, passa a se questionar: será que eu estou de fato exagerando? É um exercício que a gente deve fazer enquanto criadores. O exercício de liberdade. Um exercício interno de entender que o que eu estou produzindo depende justamente desse consentimento de liberdade que o fazer estético nos dá. Ou seja, eu só posso criar uma obra literária a partir dessa premissa da liberdade. Mas não é fácil mesmo porque a gente tem que estar sempre lutando consigo mesmo: será que eu coloco isso aqui? Será que não? — respondeu Jeferson, na entrevista que fiz com ele na GloboNews.
A censura é insidiosa. Ela arma essa cilada. Tenta ganhar até quando perde, entrando dentro do autor. Jeferson está escrevendo um novo livro que se passa no ambiente acadêmico em mudança, após a chegada de pessoas negras.
— Houve uma revolução silenciosa, o rosto da universidade se modificou e com isso mudou também o conhecimento que é validado ali dentro.
Hoje há muito mais negros publicando obras que fazem sucesso e têm destaque, mas há aí uma sutileza importante a ser entendida, no que ele define como uma “primavera negra”.
— Isso deve ser comemorado. A gente pode falar de Conceição Evaristo, Itamar Vieira Junior, Eliana Alves Cruz, Ana Maria Gonçalves. Por outro lado, me preocupa um pouco esse discurso de tentar “guetizar” os escritores negros, e dizer que eles não fazem uma literatura canônica. Como se a gente estivesse fazendo outra coisa que não literatura. Porém, é importante que a gente marque um território político ao dizer e reforçar, em determinados momentos, que são autores negros e, em outros, se colocar como autor.
“O avesso da pele” é sobre literatura, relações familiares, racismo estrutural. O autor explica:
—O professor Henrique é um professor negro de literatura, essas relações familiares acabam sendo atravessadas pela questão do racismo estrutural e pela violência policial. É um livro que congrega todos esses temas em torno da história entre pai e filho.
“O avesso da pele” é lindo, forte e narrado de forma a criar a imediata intimidade do leitor com a história. “Até o fim você acreditou que os livros podiam fazer algo pelas pessoas”, diz Pedro ao seu pai, Henrique. É esse o livro que tentam censurar no Brasil. Começam assim as fogueiras.
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