segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Israel contra Israel

O dicionário deixa clara a diferença entre os verbos explicar e justificar. O primeiro diz respeito a decisões lógicas, o outro, a gestos morais. Alguns podem explicar o ato terrorista do Hamas em 7 de outubro como reação a décadas de ocupação do território palestino, mas não há como justificar moralmente o crime de atirar contra pessoas desarmadas e indefesas, jovens se divertindo, crianças dormindo, idosos em visitas familiares e sequestrar reféns. Da mesma forma, as ações do governo de Israel podem ser explicadas como reação ao assassinato de seus cidadãos indefesos, mas não há como justificar o uso de sua poderosa máquina de guerra para atacar os milhões de moradores em Gaza, destruindo suas escolas, hospitais e moradias. Cada lado pode ter explicação lógica, mas nenhum tem justificativa moral. O ato terrorista do Hamas no sul de Israel e o bombardeio de Gaza pelas forças armadas de Israel ficarão registradas para sempre nos livros de história como crimes contra a humanidade.


A diferença é que o Hamas não tinha preocupação com imagem, nem com longo prazo. Para eles, o bombardeio de Gaza é explicável, para Israel, é um equívoco por causa das consequências para seus próprios interesses no longo prazo. O Hamas cometeu crime moral contra a humanidade, mas conseguiu a indecente vitória de mostrar os bombardeiros e tanques de Israel transformando Gaza em escombros, soterrando crianças, produzindo imagens do primeiro genocídio filmado e divulgado mundialmente, identificado.

Os terroristas não têm Estado, não são estadistas, depois de enterrados desaparecem, alguns viram heróis para jovens, que certamente vão repetir seus gestos tresloucados. Eles sabiam que o assassinato de israelenses não promoveria a independência da Palestina, ainda menos de Gaza. Desejavam que a reação de Israel fabricasse milhões de novos Hamas, ainda mais violentos, com apoio dos palestinos que sobreviverem e de seus descendentes. Cometeram um obsceno acerto com seu ato criminoso. O Hamas teria fracassado se o governo de Israel usasse o ato terrorista para criar um movimento internacional de apoio ao sionismo e contra o terror, e usasse a competência militar para eliminar aos criminosos sem assassinar crianças, destruir uma cidade, perseguir e maltratar um povo.

Não há justificativa moral para o terror dos tiros do Hamas contra israelenses nem para o terror dos bombardeios de Israel contra a população de Gaza, mas foi Israel quem perdeu ao errar logicamente. A bomba atômica sobre Hiroshima foi um gigantesco crime contra a humanidade, mas não foi um erro lógico, porque apressou o fim da guerra por alguns dias.

O bombardeio de Dresden foi tão violento quanto o de Gaza, mas não foi erro, porque levou ao fim do nazismo, à descoberta dos campos de concentração e do holocausto, ao surgimento de solidariedade mundial com os judeus e até à criação de um Estado para eles. A destruição de Gaza é um pecado do tamanho de Dresden, mas também um erro porque dos seus escombros surgirão mais ameaças contra Israel e judeus no mundo. Os escombros de Dresden levaram os nazistas à Nuremberg, Gaza talvez leve Israel. Embora explicável como reação à perda de vida de israelenses inocentes, o que hoje Israel faz com a população de Gaza, é um erro estratégico porque no longo prazo não aumentará sua segurança e diminuirá o sentimento de apoio Israel.

A história vai registrar como lamentável que o país com maior intensidade de saber em todo o mundo, graças à educação que oferece, à ciência e à tecnologia que realiza, tenha se deixado levar por seus líderes na busca de popularidade por eleitores corretamente traumatizados e desejos de vingança e proteção imediata.

Há muitos exemplos de erros históricos. Bill Fawcett escreveu “100 grandes erros da história”, Barbara W. Tuchman escreveu “A Marcha da Loucura – de Troia ao Vietnam” sobre atitudes políticas perseguidas contra o próprio interesse do país ou grupo social. A guerra de Israel contra a Palestina ficará como um destes grandes erros, mostrando que talvez tivesse razão o grande escritor judeu Arthur Koestler quando alertou, ainda nos anos 1960, dos riscos suicidas do ser humano ao desenvolver uma lógica capaz de construir bomba atômica e uma moral que permite usá-la contra os vizinhos, morrendo ao matar.

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