Estamos naquilo a que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chamou a “autoestrada para o inferno” – num dos seus muitos alertas que todos aplaudem, mas ninguém verdadeiramente escuta. Contudo, precisamente por isso, não podemos virar na saída errada, nem deixarmo-nos enganar no caminho.
Ao contrário do que tem sido tantas vezes o discurso oficial, a transição energética não vai ser um passeio no parque, rumo a um arco-íris luminoso, onde se esconde um pote de ouro, que nos deixará a todos alegres e felizes. Se é verdade que há muitas oportunidades de negócio e de criação de riqueza nesta transição, também não podemos ignorar que nenhuma transformação deste género será feita sem que existam vítimas e custos que não podem ser negligenciados.
De um modo ou de outro, vai ser preciso, ao longo de todo o processo, penalizar as atividades que prejudicam o ambiente e, em simultâneo, apoiar e beneficiar aquelas que contribuem para formas de energia mais limpa, que promovem um consumo responsável e, por isso, ajudam a criar uma economia sustentável.
Neste contexto, faz todo o sentido a ampliação da chamada fiscalidade verde – a criação de impostos que penalizem quem mais emite carbono para a atmosfera. Mas é necessário que a receita desse tipo de taxas ou de impostos seja, depois, utilizada na criação de alternativas amigas do ambiente, na promoção de atividades e de comportamentos que reduzam efetivamente as emissões nocivas. E ainda é mais necessário que, em simultâneo com o anúncio desse custo adicional que passa a recair sobre os contribuintes, sejam explicadas, ao pormenor e com frontalidade, as razões dessa medida e de como ela, no futuro, pode mudar coletivamente as nossas vidas.
Ora, foi precisamente o contrário disto tudo que o Governo fez em relação à sua proposta de penalização do Imposto Único de Circulação (IUC), nos mais de três milhões de veículos, anteriores a 2007, que circulam em Portugal. Com os resultados que estão à vista: em vez de ser vista como uma medida ambiental, foi lida por todos como uma receita suplementar para o Orçamento do Estado. Em especial quando, ao contrário do que seria desejável numa lógica de redução de emissões, a medida foi apresentada como uma forma de compensação pela diminuição dos preços em seis autoestradas.
Mais grave é o que a medida representa em termos de injustiça social, ao penalizar aqueles que, por falta de recursos, têm menos condições para poder trocar de carro. Isto, ainda por cima, num País que privilegiou o automóvel como sinal de desenvolvimento, com uma aposta total em autoestradas em detrimento do caminho de ferro. Mas também um País onde o automóvel tem estado no centro de grandes movimentos de contestação aos governos, como se viu no bloqueio da ponte em 1994, nos últimos anos do cavaquismo, ou em tantos protestos contra portagens ou más condições de estradas que, ciclicamente, unem populações e são a chama até para boicotes eleitorais.
Quando se confundem as medidas para evitar o fim do mundo climático com aquelas que dificultam às famílias chegar ao fim do mês sem sobressaltos financeiros, fica aberto o caminho para a revolta. Mas fica ainda mais frágil o combate necessário às alterações climáticas: quando se dão tiros nos pés, como este aumento mal direcionado do IUC, quem fica a perder é o ambiente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário