Segundo o Observatório de Drogas Europeu, 3,5 milhões de europeus experimentaram cocaína em 2021 (Exame, 2023). Se cada um consumiu 1g do pó, pagando 70 euros/g, alguém faturou R$ 1,5 bilhão.
Calculando as apreensões feitas na Europa, em torno de 300 ton/ano (metade disso em portos da Holanda e Bélgica), nota-se que o mercado internacional de drogas movimenta dezenas de bilhões de dólares.
Nesse cenário, o Secretário Nacional de Segurança Pública Tadeu Alencar foi feliz em propor o Programa ENFOC. Com a antecipação do seu lançamento, o ministro Flavio Dino recolocou o governo no centro do desafio de inviabilizar essas verdadeiras S/A do crime (após quatro anos de leniência federal).
Nesse mercado, os lucros da droga são incomparáveis. Não se gasta com impostos, encargos trabalhistas ou padrões sanitários, entre outras despesas comuns em negócios legais. E os preços fazem inveja a produtos de luxo.
Existe toda uma rede de plantio, beneficiamento, atacado, varejo e segurança, que usa as mesmas estruturas e serviços (privados ou públicos) que a economia formal: rodovias, rios, portos, aeroportos, internet, telefonia, bancos, casas de câmbio e advogados. Não é à toa que essa cadeia produtiva é chamada de ‘crime organizado’.
A escala logística e financeira é maximizada pela parceria com o garimpo ilegal, contrabando de cigarros, pirataria de agrotóxicos, tráfico de armas, agiotagem, grilagem, lavagem de dinheiro, assaltos a bancos, sequestros, roubo de cargas, extravio de obras de arte, tráfico humano, extorsão, furtos, trabalho escravo e até mesmo terrorismo.
Trata-se de um meganegócio global cujo sucesso (assim como em outros mercados legais da economia moderna) se baseia em velhos fatores produtivos não declarados: a desigualdade social e a degradação do meio ambiente.
Por isso, o desafio é incomparável para a América Latina, África e Ásia. Com biomas e fronteiras acima das capacidades estatais de defesa, as periferias urbanas e as penitenciárias tornam-se o chão de fábrica ideal para esse negócio bilionário.
Não é uma guerra, nem uma questão de esquerda ou direita. Tampouco uma oposição entre polícias e direitos humanos. O problema da criminalidade é sociopolítico. É mais uma atividade econômica em que poucos lucram às custas de muitos. O Brasil está na rota de distribuição internacional e se tornou um mercado consumidor lucrativo.
A solução inclui questões conhecidas no mundo dos negócios: dissuadir os investidores elevando-se o risco atuarial, aplicar a Lei sem prejudicar a população, investir nos territórios afetados e garantir a justiça social.
O Programa ENFOC é um bom recomeço, porque recoloca no radar algumas dessas questões, atuando em eixos como a integração de informações, a recuperação de ativos, a vigilância de fronteiras, portos e aeroportos, bem como na cooperação entre as agências especializadas nacionais e internacionais.
O passo primordial é a vontade política, desde o nível internacional até o local, envolvendo elites e autoridades, ancorada no compromisso de reduzir as desigualdades. O Ministério da Justiça e Segurança Pública tem demonstrado sensibilidade nesse sentido.
A situação crítica exigiu trocar os pneus com o carro em movimento. E na Segurança Pública, o ótimo é inimigo do bom.
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