A atualidade de Lalau, nome carinhoso do cronista, põe-se todo instante à prova na vida pública atual, onde a besteira, elevada ao zênite, corrói a civilidade institucional num verdadeiro culto à estupidez. Embora antenados a um determinado momento, seus ditos afiados guardam algo de intemporal, como as tiradas de Mark Twain. "Leitor, vamos supor que você fosse um idiota. E vamos supor que você fosse membro do Congresso. Mas estou me repetindo", boutade de Twain. "Depufede", agulhada de Stanislaw.
Reinterpretada, a expressão depufede cresce em literalidade semântica quando a Câmara de Deputados aprova um projeto de lei que criminaliza a malevolência verbal contra seus próprios membros, parentes e colaboradores. Se vivos, Twain e Stanislaw seriam alvos naturais. Mas um representante da dignidade minoritária, contrário ao projeto, objetou: "Cheira mal!" No Senado se tapou o nariz.
Esse tipo de juízo corrobora a hipótese de que a raiz mais antiga da vida emocional esteja no olfato. Bem o sabia o apóstolo Paulo: "Nós somos o aroma de Cristo, espalhando sua fragrância em todos os lugares" (2 Coríntios 2:15). Ou então José Saramago: "A maior dificuldade para chegar a viver razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há" ("Ensaio sobre a Cegueira").
O neologismo de Lalau adquire plenitude em famílias olfativas cevadas no recente chorume legislativo. Não é bodum físico igual ao do avião de drogas do ex-deputado, tio de senadora. É mau cheiro moral, exalado de conjuntos híbridos de roubos, cinismos e chantagens. Isso requer jornalismo de nariz apurado, capaz de espelhar sinestesicamente, como se faz com sensação térmica, a náusea social. Já existem exemplares ferroadas estéticas, como "sertanojo", de José Simão. Depufede é, politicamente, a bandeira amarela do fisiologismo metastático.
Nenhum comentário:
Postar um comentário