Mas o islamismo francês proposto por Houellebecq não se parece em nada com o dos radicais do Estado Islâmico. A transformação da França se dá por dentro, aos poucos, até se consumar. Claro, como toda ficção, o livro não tenta descrever uma nova realidade, mas uma realidade possível, embora improvável. Ainda assim, não se pode negar que há uma lógica no romance. Segundo projeções oficiais, até 2040 a maioria dos eleitores da Bélgica será de origem muçulmana. Muito provavelmente, as cabeças dos jovens muçulmanos belgas de hoje que forem eleitores daqui a 18 anos serão mais arejadas e modernas do que as de seus pais e avós imigrantes, mas ainda assim estarão assentadas na tradição islâmica.
No Brasil de Bolsonaro não foram necessários imigrantes muçulmanos para fazer deste um país mais conservador do que era há quatro anos, do ponto de vista moral, cultural e político. O componente religioso sempre importa numa transformação dessa ordem, e não foi diferente aqui. A comunidade evangélica ajudou a consolidar este quadro de retrocesso no Brasil, mas não é a única responsável. Se fosse um romance, a História do Brasil desde a eleição de 2018 seria mais improvável do que aquela contada em “Submissão”. Mas, por aqui já se pode visualizar as mudanças comportamentais provocadas pelo bolsonarismo.
Para onde quer que se olhe é possível ver os sinais do retrocesso. De tal forma materializado, o recuo na educação e na cultura é quase palpável. Na educação, o Brasil deu um passo gigantesco para trás, não apenas no seu financiamento, mas também no seu método. A cultura no país sobrevive graças à sua pujança, mas a ausência da indução do Estado inviabiliza criações e inibe o surgimento de novos talentos nas favelas, nas periferias, no interior, além de solapar iniciativas que não tenham o selo do bolsonarismo. Os seguidos ataques e deboches perpetrados ao politicamente correto criaram uma casca em torno do tecido social que embrutece o brasileiro. Não é por outra razão que crescem no país os crimes de homofobia, misoginia e racismo.
Ainda mais grave é o consumo desenfreado de armas produzido por leis, portarias e decretos aprovados nos últimos três anos e meio. Estamos virando um novo EUA, não em razão da nossa potência, econômica, cultural, tecnológica e militar, obviamente não, que não a temos. Mas pelo uso indiscriminado de armas, pela facilidade na sua compra, pelo acesso praticamente ilimitado à munição. Pela proliferação de clubes de tiros, de falsos colecionadores e caçadores espalhados pelo país. A violência provocada pela intolerância política, que tem índices elevados no Brasil, tende a explodir na campanha deste ano diante do número de pessoas armadas do lado bolsonarista. Um assassinato já foi produzido em Foz do Iguaçu.
Em todos os aspectos, somos hoje um país muito mais atrasado do que éramos em 2018. Todo o declínio que vivemos nesses anos foi causado pelo homem instalado no Palácio do Planalto e sua política de confronto permanente com as instituições, o estado democrático de direito, os opositores políticos e o bem-estar comum. Mesmo diante desse quadro, que parece um retrato desfocado do livro de Michel Houellebecq, Bolsonaro tem ainda cerca de 30% dos votos, segundo as pesquisas eleitorais. Com mais quatro anos, o Brasil pode se tornar igual ao país imaginado pelo autor francês. Só que pior.
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