Segundo o Ministério Público responsável, a empresa empregava na fazenda funcionários terceirizados que eram "tratados como animais". Estima-se que entre 600 e 1.200 trabalhadores tinham que pagar pela própria acomodação, alimentação e transporte. Como desde o início estavam altamente endividados, eram impedidos de deixar a fazenda. Serviços de segurança privados os impediam, além de manter um regimento brutal. Havia tortura, punições e tiros. Doentes não recebiam tratamento, e, principalmente, a malária grassava.
Nos últimos três anos, o Ministério Público recolheu provas e depoimentos. O estopim foi um dossiê no qual o padre e professor Ricardo Rezende Figueira trabalhou por mais de 40 anos. Ele era o vigário de uma paróquia perto da fazenda e testemunhou em primeira mão as condições desumanas, quando alguns trabalhadores conseguiram deixar o local. Posteriormente, conseguiu que parlamentares de São Paulo visitassem a fazenda e confirmassem, pelo menos em parte, essas denúncias.
No entanto nada aconteceu. A maior frustração de Figueira, segundo ele, é jamais ter conseguido responsabilizar a Volkswagen pelas violações de direitos humanos. Ao mesmo tempo, a empresa mandou investigar seu passado nazista na Alemanha e pagou 4,4 bilhões de euros em indenizações a quase 1,7 milhão de ex-trabalhadores forçados. No Brasil, entretanto, nada aconteceu.
A imprensa, o Judiciário, a Polícia, os governos e até mesmo sindicatos de São Paulo não se interessaram pelo assunto, afirma Figueira que coordena o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Uma nova oportunidade para processar a Volkswagen surgiu para Figueira em 2020, quando a montadora admitiu indiretamente violações de direitos humanos durante a ditadura militar: a empresa pagou indenizações a ex-funcionários, grupos de direitos humanos e sindicatos que foram vítimas da repressão do pessoal de segurança da fábrica, aliado a forças de segurança da ditadura na década de 1970. A Volkswagen pagou R$ 36 milhões, tornando-se a primeira empresa no Brasil a assumir responsabilidade histórica pela colaboração com a ditadura.
Agora, o Ministério Público convocou a empresa para uma audiência em 14 de junho na tentativa de chegar a um acordo extrajudicial entre as vítimas da Amazônia e a Volkswagen. Isso é urgentemente necessário: só assim empresas como a Volkswagen, mas sobretudo outras multinacionais e nacionais no Brasil, vão assumir sua responsabilidade.
Porque é importante que os argumentos utilizados por empresas como Volkswagen para se eximirem de qualquer culpa nas cadeias de produção sejam vistos pelo que são: desculpas esfarrapadas.
As justificativas são sempre algo assim: "a Volks não teria conhecimento da situação"; "a responsabilidade pelas violações de direitos humanos seria dos terceirizados"; "essas eram as condições normais de trabalho em fazendas da Amazônia na época"; "mas isso tudo ocorreu há 50 anos!"
Esses argumentos são pérfidos, pois a Volkswagen apostou conscientemente em trabalhadores baratos e desprovidos de direitos, e num Estado que fazia vista grossa. Ela tolerou violações de direitos humanos em sua cadeia de produção – e a sede em Wolfsburg deveria, quase com certeza, também ter conhecimento disso. Qualquer membro da diretoria que visitasse a fazenda poderia, se quisesse, ver as medidas de segurança aplicadas contra seus próprios funcionários.
É extremamente importante a empresa ser responsabilidade agora, mesmo após 50 anos. Isso será um exemplo, tanto no Brasil quanto para montadoras em todo o mundo. Como na China, onde a Volkswagen mantém uma fábrica na região de Xinjiang, apesar das revelações de violência contra os uigures.
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