Quem quer comprar hoje um automóvel novo no Brasil precisa ter bastante dinheiro e paciência. Mesmo assim, são cada vez menos os que se podem dar a tal luxo: o modelo mais barato custa cerca de R$ 70 mil, e as listas de espera são de alguns meses.
Um exemplo de como são incrivelmente altos os preços que os brasileiros têm que pagar: na Alemanha hoje se compra um veículo novo pelo equivalente a cerca de R$ 44 mil.
A discrepância é ainda mais absurda levando-se em consideração a renda média nos dois países: pelo carro mais barato, um brasileiro que ganha um salário mínimo tem que trabalhar cinco anos, enquanto na Alemanha bastam cinco meses. Mesmo tomando-se como base o salário médio, os compradores brasileiros precisam de três anos, contra dois meses (!) para os alemães.
Outro agravante é que em diversas partes do país muitos dependem inteiramente de um automóvel, já que a infraestrutura pública (ônibus, trem, metrô) não cobre a demanda da população. Ao contrário da Alemanha, onde, a princípio, se chega a qualquer lugarejo de ônibus ou trem.
Esse estado de coisas é espantoso: com o Fusca, o Gol e a Kombi, o Brasil sempre foi um mercado de massa para as montadoras, cuja venda de modelos populares adaptados justificava a operação das fábricas. Apesar da estagnação há anos, o Brasil ainda é o sétimo maior mercado automotivo no mundo e conta com 57 fábricas.
Em especial para as produtoras alemãs, apesar dos muitos altos e baixos, o Brasil é uma importante história de sucesso. O país foi um dos poucos em que a indústria alemã pôde voltar a investir depois da Segunda Guerra Mundial. Os investimentos da Volkswagen e Mercedes – assim como os da Ford, GM, Fiat – deram ao Brasil um importante impulso de desenvolvimento.
Todas as partes envolvidas beneficiaram-se disso: o país pôde desenvolver um dos poucos polos industriais do Sul global. Com sua cadeia de geração de valor, há décadas a indústria automobilística tem sido uma espinha dorsal da economia nacional, evitando que o Brasil se tornasse um mero fornecedor de matérias-primas. O país também era um dos principais mercados externos para as multinacionais alemãs, antes de a China se tornar prioridade.
Agora, após anos de estagnação da renda per capita, o mercado automotivo brasileiro tornou-se menos interessante para os fabricantes, que se limitam a oferecer modelos mais caros, na categoria média, com maior margem de lucro. Há anos, a lista de acessórios incluídos diminui.
Entre os motivos para o parco engajamento das montadoras estão as condições básicas desfavoráveis: a falta de semicondutores da Ásia e o real fraco encarecem as importações, a pandemia tumultuou as cadeias de valor, e – não menos importante – o corte dos atrativos fiscais para a indústria automobilística decretado pelo governo Bolsonaro são fatores que contribuíram para o Brasil perder importância no setor como local de produção, em âmbito mundial.
A questão decisiva agora é: o Brasil vai conseguir acompanhar a revolução em curso no setor automobilístico (eletromobilidade, veículos autônomos, motores de emissão zero)? Munido das experiências com o etanol, seu acesso potencial a combustíveis verdes e a presença de 27 fabricantes em seu território, o Brasil tem vantagens como local de produção, em nível global. Ele precisa utilizá-las.
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