Os três últimos anos levaram ao extremo a crise desse sistema, hoje bastante arruinado. Em parte isso ocorreu como efeito da covid-19, mas a parte maior se deveu à conduta governamental, que cavalgou a pandemia e se apoiou tanto no menosprezo pela educação quanto no apreço pela ideologização dos temas pedagógicos e na incompetência dos ministros encarregados de formular e gerir a política educacional. Deu-se uma perversa combinação de fatores, que põe em risco o futuro do País.
Aulas remotas precárias, despreparo para o ensino à distância, falta de equipamentos adequados e impossibilidade do convívio presencial ajudaram a rebaixar a qualidade do ensino e a afastar muitos estudantes do estudo e da própria ideia de “escola”. A ausência de uma política educacional criteriosa completou o quadro.
A escola deixou de ser vista como estrada civilizatória que prepara para a vida, o trabalho, a convivência social. A situação vinha de antes, mas foi turbinada pelos estragos da pandemia e por tudo o que houve de esdrúxulo na gestão da área. O governo simplesmente fugiu da obrigação moral de transmitir aos jovens o que a sociedade tem de melhor, a cultura universal, o conhecimento acumulado, os instrumentos básicos para se mover na vida moderna, a leitura, a escrita, o cálculo, a História e a ética cívica. A ação governamental dirigiu-se deliberadamente para desorganizar o sistema escolar.
O Ministério da Educação (MEC) está agora com o quarto ministro de uma série em que cada um conseguiu ser pior do que o outro. Copiando seus antecessores, o atual ocupante do cargo nada faz de relevante, não demonstra conhecimento da área, esforça-se para dizimar as instituições técnicas da área, não leva alento algum às escolas distribuídas pelo País, deixando ao relento milhões de estudantes e suas famílias. Atuando como um Weintraub sem a estupidez cênica, o ministro Ribeiro é um bajulador que não se envergonha de propor uma universidade “para poucos”, de sugerir A educação sangra no Brasil. Mas seu coração não parou de pulsar, seja pelas exigências da vida moderna, seja pelo desejo de evoluir da maioria dos jovens que currículos e livros didáticos sejam expurgados de “questões ideológicas”. Flutua por sobre os nossos gravíssimos problemas educacionais.
A educação sangra no Brasil. Mas seu coração não parou de pulsar, seja pelas exigências da vida moderna, seja pelo desejo de evoluir da grande maioria dos jovens. Estão ativos os gestores escolares e os professores, que continuam resistindo e buscando saídas, aparando os muros que ameaçam ruir, muitas vezes sem recursos para atuar com maior eficiência. São mal remunerados, tratados com desdém pelo governo, pouco valorizados em termos profissionais, mas são a base para a reconstrução de que se necessita.
A volta às aulas presenciais trará consigo problemas complexos. Como será quando tudo for retomado de fato? Não está claro quanto houve de aprendizado nos últimos anos, nem como atuarão os estudantes com o retorno às salas de aula, nem como será feita a recuperação dos conteúdos perdidos. Não sabemos como estarão os professores, por mais que saibamos que não haverá falta de empenho e disposição.
Com a pandemia, os mestres afastaram-se de seu território específico, a sala de aula. Viram sua missão e sua função social serem submetidas a pressões e ataques. Foram estigmatizados como corporativistas. E tiveram atropelados seus planos de estudo e aperfeiçoamento, que são teóricos mas, acima de tudo, práticos, na lida diária com os estudantes. Escolas não se movem por leis e portarias, mas por atividades humanas, dentre as quais o relacionamento professor/aluno é a mais decisiva.
Um livro recentemente lançado nos ajuda a refletir sobre este quadro, cuja dimensão ética (o diálogo, a cooperação, a responsabilidade cívica, o uso crítico do saber) quase nunca é devidamente considerada. Em Educação e Ética na Modernidade (São Paulo: Edições 70), a professora Carlota Boto, da Faculdade de Educação da USP, acompanha o percurso teórico de grandes mestres da filosofia da educação para nos convidar a um mergulho no universo educacional de nossa época, tão carregada de dilemas existenciais, de fragmentação do saber, de ausência de certezas compartilhadas, de redes hiperativas que produzem muitas trocas, mas pouca reflexão.
Carlota Boto nos faz pensar no fundamental: o que significa educar hoje, “qual o papel da escola e da família perante o império de uma sociedade da informação”, de uma mídia onipresente e da disseminação acelerada das ferramentas da tecnologia digital? Uma questão intensa, instigante, estratégica.
O livro não fornece respostas pontuais. Seu objetivo é organizar o que já se pensou sobre o tema, para que possamos ir além e agarrar os problemas urgentes que nos angustiam hoje. Precisamente o que mais falta faz hoje na educação brasileira.
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