Uma leitura ingênua da sua carta ao presidente dos Estados Unidos pode nos induzir à crença de que, de fato, haverá uma mudança de rumo. O tom moderado da missiva destoa bastante do seu discurso na Assembleia da ONU de 2019, quando fez a defesa do modelo de ocupação da Amazônia pautado na exploração predatória de suas riquezas e na devastação da maior floresta tropical do mundo.
Como palavras os ventos levam e o papel aceita tudo, Joe Biden foi o primeiro a desconfiar que a conversão de Bolsonaro é só coisa para americano ver. Em vez de declaração genérica sobre acabar com o desmatamento até 2030, compromisso, diga-se de passagem, já assumido pelo Brasil em 2009 e em 2015, Bolsonaro é intimado a apresentar metas e um cronograma concreto. Sem isso, não adianta vir de pires na mão.
A descrença da comunidade internacional se justifica pelo dano causado ao meio ambiente e à imagem do Brasil nestes 27 meses de governo Bolsonaro. De referência na questão ambiental desde a Eco-92, o Brasil foi reduzido à condição de pária. Em vez de fortalecer uma das legislações mais avançadas do mundo e seus organismos de fiscalização, o presidente e o ministro Ricardo Salles passaram a desconstruí-los.
Não é de se espantar, portanto, que o desmatamento tenha crescido no seu governo como nunca antes. Agora mesmo tivemos o maior desmatamento do mês de março dos últimos dez anos.
Sim, Bolsonaro inverteu uma tendência em curso que levou a uma queda expressiva do desmatamento entre 2009 e 2012, graças a um dos mais avançados planos de prevenção e proteção, o da Amazônia. Ao tempo em que estigmatizou ambientalistas, ONGs, instituições como o Inpe, lideranças indígenas e ribeirinhos, sua política extrativista deu eco aos madeireiros, garimpeiros e setores atrasados do agronegócio.
A pressão para mudança de mentalidade e de atitude não vem só do exterior. O moderno agronegócio, principal responsável pelo bom desempenho das exportações brasileiras, tem plena consciência do quanto a devastação pode levar as commodities brasileiras a perder terreno no mercado mundial. Grandes corporações também sentiram o tamanho do perigo e pressionam o presidente para apresentar metas mais ousadas e mais concretas na Cúpula dos líderes sobre o clima.
Está em jogo a inserção do Brasil na nova política global. As nossas relações comerciais com os Estados Unidos e com a União Europeia serão ditadas pela maneira como vamos nos inserir no grande pacto ambiental. Se como protagonista, como fomos até bem pouco tempo, ou sem sequer ter assento à mesa.
A cooperação internacional, inclusive financeira, só virá se o Brasil for de fato parceiro desse pacto, com a compreensão da profunda mudança da maneira como o mundo e as próprias corporações estão se reorganizando. A sustentabilidade passou a ser um valor central nas relações comerciais entre países e governos.
Há uma corrida entre os Estados Unidos e a China para decidir quem liderará o mundo na direção de uma economia de baixo carbono. Os americanos têm consciência de que estão ficando para trás, com os chineses sendo os maiores produtores e exportadores de painéis solares, turbinas eólicas, baterias e carros elétricos.
O Brasil pode tirar dividendos dessa corrida. Tem ativos enormes: a Amazônia, o pantanal e fontes imensas de energia renovável. Pode ser um protagonista importante da nova moldura climática do mundo. E não pode se contentar ao papel que o ministro Ricardo Salles condenou o país em sua apresentação à equipe de John Kerry.
Humilha o Brasil o slide de um cachorro abanando o rabo em frente a uma máquina de frango assado com cifrões nos olhos e o título “expectativa de pagamento”.
Por aí Bolsonaro queimará a sua última oportunidade para entrar em sintonia com o mundo. Nenhum líder mundial se deixará levar por promessas genéricas cujo objetivo é embasar o discurso do “ei, você aí, me dá um dinheiro aí”. Nisso o vice-presidente Hamilton Mourão tem razão, não cai bem ao Brasil o papel de mendigo.
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