Se ele pretendeu reforçar a ideia de que as Forças Armadas não se metem em assuntos políticos pelo menos desde o fim da ditadura militar de 64, conseguiu exatamente o contrário.
Em abril de 2018, às vésperas de o Supremo Tribunal Federal aceitar ou não um pedido de habeas-corpus que poderia libertar Lula preso em Curitiba, Villas Bôas postou no Twitter:
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”
À época foi dito que Villas Bôas apenas refletia o ânimo dos seus companheiros de farda. Antecipava-se a possíveis manifestações raivosas de subordinados. Não queria perder o controle da tropa.
Por isso ou por aquilo, intimidado, o Supremo negou o habeas-corpus por 6 votos contra 5 e manteve a prisão de réu condenado em segunda instância. Lula continuou encarcerado.
Foi o general, que é portador da ELA, doença degenerativa do sistema nervoso, que procurou a Fundação Getúlio Vargas interessado em dar seu depoimento para a posteridade.
E o fez ao longo de 13 horas, repartidas em cinco dias, em conversa amena conduzida pelo professor e pesquisador Celso de Castro, autor de diversos livros sobre a temática militar.
Castro deixou-o falar sem contestá-lo nenhuma vez e sem pedir maiores detalhes sobre os fatos relatados. É de supor, portanto, que o general só falou o que quis, conforme planejado.
Villas Bôas conta que a mensagem postada no Twitter de advertência ao Supremo não foi obra exclusivamente sua, mas também do Alto Comando do Exército.
“Sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse”, diz Vilas Bôas. Não diz que “coisa” era, nem como ela poderia se manifestar. Uma rebelião? Uma tentativa de golpe?
Mas como, se o Exército e as demais armas são apolíticos como diz e repete o general ao longo do seu depoimento? Como, se são fielmente cumpridoras do papel que lhes reserva a Constituição?
A primeira versão da mensagem foi escrita por seu estafe e sob sua orientação, sendo submetida depois aos integrantes do Alto Comando do Exército residentes em Brasília.
Em seguida, ela foi transmitida aos demais comandantes de área para que a endossassem ou sugerissem ajustes. Recebidas as sugestões, a mensagem ganhou sua redação definitiva.
Jair Bolsonaro respirou aliviado quando leu a mensagem no Twitter. Era deputado federal e há pelo menos dois anos estava em campanha como aspirante a candidato a presidente
Neste governo, Villas Bôas, general da reserva, é assessor do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. Ao empossá-lo, Bolsonaro emitiu todos os sinais de que lhe é grato.
Por quê? Talvez porque Villas Bôas respaldou sua candidatura à reboque de generais e de soldados que já o apoiavam. Cada quartel foi uma célula de Bolsonaro, e não será diferente em 2022.
O chefe das Forças Armadas, segundo a Constituição, é o presidente da República. É ele, e somente ele, quem em nome delas pode falar sobre temas políticos de repercussão geral.
Aos comandantes das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica -, cabe falar sobre assuntos administrativos e aqueles diretamente afeitos aos cargos que ocupam.
A fala de Villas Boas não foi a de um chefe que se dirige aos seus subordinados. Foi um pronunciamento em nome do Exército e a propósito do momento político que o país atravessava em 2018.
Não faltou provocação (“Quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras?”). Nem ameaça (O Exército “se mantém atento às suas missões institucionais”).
Militar não é igual a civil. O que os distingue não é só a farda que um veste e o outro não. Militar tem acesso a armas pesadas, pilota brucutu, maneja tanques e é treinado para matar.
O que um deles fala, soa diferente do civil que diga o mesmo. Porque um tem a força capaz de pulverizar literalmente quem quer que seja. O outro, só a força da palavra.
Não é apenas a saúde dos brasileiros que está ameaçada pelo vírus que o governo Bolsonaro ignorou o quanto pôde. A saúde da democracia segue sob ameaça.
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