Recentemente, o Butão voltou a captar a atenção de todo o mundo ao apresentar-se como um caso fora do normal no combate à pandemia. No dia 7 de janeiro, um homem de 34 anos, internado num hospital da capital, Timbu, com problemas de fígado e de rins, veio a morrer de complicações relacionadas com a Covid-19. Passado quase um ano desde o início da pandemia, com países à escala mundial a continuar a registar centenas ou até milhares de mortes do vírus por dia, o Butão registou a sua primeira – e única -morte de sempre pela doença.
Neste momento, o país conta com apenas 866 casos e 1 morte de Covid-19 desde o início da pandemia. Apesar de ter uma população pequena, estes não deixam de ser números impressionantes: o Luxemburgo, com menos 100 mil habitantes que o Butão, conta com 53 mil casos até ao momento – cerca de 60 vezes o número de infeções do país asiático. Até a Islândia, uma ilha isolada, conta com 6.039 casos de Covid-19 desde o início da pandemia: seis vezes mais casos que o Butão, que tem mais de o dobro da população do país nórdico. Isto para já não se explorar o que está a acontecer em Andorra, onde já faleceram quase 1400 pessoas e é o local com a mais elevada taxa de mortalidade do mundo, embora conte com 10 vezes menos habitantes do que o Butão.
Quando os primeiros casos de Covid-19 começaram a surgir na Ásia, o Butão parecia um alvo perfeito para um desastre. O país tinha apenas 337 médicos para uma população de 760 mil pessoas – menos de metade do número recomendado pela Organização Mundial de Saúde e cerca de 12 vezes menor que o número de médicos em Portugal – e apenas metade destes médicos tinham treino avançado para cuidados intensivos. Para além disso, contava com apenas 3 mil profissionais da saúde e só existia uma máquina PCR no país para poder testar análises do vírus. Com uma presença assídua na lista de países menos desenvolvidos da ONU devido ao seu baixo PIB, assim como fronteiras partilhadas com países cujos casos de Covid-19 continuavam a crescer, o Butão conseguiu contrariar todas as expetativas.
A chave para a eficácia do Butão no combate à pandemia prendeu-se, numa primeira fase, com a rapidez da reação aos primeiros avisos vindos do seu país vizinho, explica Madeline Drexler na revista The Atlantic. No dia 11 de janeiro de 2020, 11 dias depois de a China reportar pela primeira vez à Organização Mundial de Saúde (OMS) um “surto de pneumonia de origem desconhecida”, o Butão começou imediatamente a preparar o seu plano de resposta nacional. A 15 de janeiro, os cientistas do país já estavam a investigar sintomas de infeções respiratórias e a impôr a medição de febre nos seus quatro aeroportos .
Graças a esta campanha de prevenção e ao facto de ter as fronteiras com a China fechadas há décadas, foi apenas no dia 6 de março que o Butão confirmou o seu primeiro caso de Covid-19: um turista norte-americano de 76 anos. Nas 6 horas seguintes, foram identificados e colocados em quarentena mais de 300 possíveis contactos do infetado. “Deve ter sido um recorde”, disse orgulhosamente o Ministro da Saúde Dechen Wangmo ao jornal nacional Kuensel. O paciente acabou por regressar aos EUA e sobreviver à doença.
Após este primeiro susto, o Governo do Butão começou a fazer conferências de imprensa diárias, através das quais mantinha os seus cidadãos atualizados com mensagens claras e diretas. Foram rapidamente proibidas as visitas de turistas, fechadas todas as escolas, instituições públicas, ginásios e cinemas. Os horários de trabalho foram flexibilizados e desde muito cedo foi incentivado que todos lavassem as mãos, usassem máscaras e mantivessem a distância física. Cinco dias depois de a OMS declarar a Covid-19 como uma pandemia, a 16 de março, o Butão instituiu rapidamente uma quarentena obrigatória para todos os cidadãos com possíveis exposições ao vírus, garantido acomodação em hotéis e refeições gratuitas aos imigrantes que regressavam ao país. Todos os casos positivos foram prontamente isolados, incluindo os assintomáticos, de forma a tratar os sintomas imediatamente e garantir acompanhamento psicológico aos pacientes em quarentena.
No entanto, o plano do Governo do Butão não ficou por aqui. No final de março, o tempo de quarentena obrigatória foi estendido de 14 para 21 dias – mais uma semana do que o que é recomendado pela OMS e pela Direção-Geral de Saúde, em Portugal. Numa conferência de imprensa, Wangmo explicou que este é o “ponto perfeito” para a quarentena, uma vez que com um isolamento de 14 dias ainda existe uma percentagem de 11% de possibilidade de contaminação, tendo em conta o período de incubação do vírus. Mais tarde, em setembro, as autoridades de saúde do país também implementaram um programa chamado “A Nossa Responsabilidade”, uma iniciativa de prevenção da doença com a participação de artistas e desportistas do país.
Perante todos estes planos e coordenação do governo, foi apenas em agosto que o primeiro cidadão nacional do Butão testou positivo para a Covid-19: uma mulher de 27 anos. Tal foi o impacto deste caso, que foi imposto imediatamente um confinamento em todo o país durante três semanas, com o governo a proceder a testes em massa e a distribuir comida, medicamentos e outros bens essenciais a todas as casas do país. O mesmo aconteceu quando, em dezembro, uma clínica na capital anunciou o primeiro caso de transmissão da doença entre a comunidade desde o verão – todos os cidadãos do Butão voltaram para casa.
Perante este trabalho intensivo de prevenção do vírus, com um plano de ação desenhado pelo governo, a participação e cooperação da própria população foi essencial para esta luta. Após a rainha do Butão lançar um apelo à nação e sublinhar a importância da solidariedade coletiva, milhares de pessoas deixaram as suas casas e famílias para se juntarem a equipas de voluntários conhecidas como DeSuun. O governo, por sua vez, garantiu que o impacto económico na população era amparado através de um programa de assistência financeira, com a distribuição de 15 milhões de euros a mais de 34 mil cidadãos afetados pela pandemia, assim como a entrega de bens essenciais a mais de 51 mil idosos.
No entanto, cabe relembrar que a vida no Butão nem sempre foi este “mar de rosas.” Em 2008, Bill Frelick, da Human Rights Watch, alertou que, ao longo de 17 anos, desde o final dos anos 80 até aos anos 90, as forças militares e o governo protagonizaram uma campanha de expulsão dos cidadãos nepaleses do país, que constituíam cerca de um sexto da população do país, uma vez que as elites do Butão percecionavam estas pessoas como uma ameaça à sua cultura. Ao longo dos últimos anos, o país tem procurado democratizar-se, com as primeiras eleições parlamentares realizadas em dezembro de 2007. Aos poucos, há algum espaço à abertura no país: em 2020, foi descriminalizada a homossexualidade no Butão.
Assim, para surpresa da comunidade internacional, este reino no teto do mundo tem sido dos países mais eficazes a combater a pandemia. Graças a uma orientação firme dos seus monarcas, acompanhada de um esforço conjunto das diferentes forças políticas parlamentares em combater a pandemia, houve um forte investimento na prevenção da Covid-19 antes de esta ultrapassar pela primeira vez passar as fronteiras do país. Paralelamente, a população foi incentivada a seguir todas as regras de saúde pública graças a uma comunicação direta e aos apoios económicos e sociais garantidos às pessoas que mais precisaram, em particular aquelas que ficaram em quarentena e isolamento. Agora, o governo do Butão poderá vir a usar esta vitória para atacar os outros problemas do país, como a pobreza, os seus atrasos tecnológicos e consolidar a democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário