segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Não é a economia, estúpido

No próximo ano, vamos contar, enquanto sociedade, com tanto tempo de vida em democracia como em ditadura. Essa coincidência de 48 anos foi lembrada, esta semana na TV, por quem tinha acabado de esgotar os últimos recursos de internamento de doentes com Covid-19, no hospital que dirige. Pedro Soares Branco, diretor clínico do Centro Hospitalar de Lisboa Central, era a imagem da impotência e do desalento, e avisava que iam começar a morrer pessoas, porque já não havia forma de as receber ou atender. Mas, acima de tudo, não conseguia esconder a sua desilusão com os seus compatriotas. E disse-o de um modo que devia iluminar-nos a todos: “Do que eu gostava era que estes anos de democracia nos tivessem criado um melhor sentido de cidadania.”

Se há algo que já todos devíamos ter aprendido nesta pandemia é que todos os atos e decisões que tomamos num dia só têm verdadeira consequência duas a três semanas depois. E que a forma de a combater não pode estar apenas concentrada na última trincheira, a dos hospitais. As pandemias previnem-se, não se curam. Por isso, as decisões mais importantes de um governo face à pandemia não são as ordens para fechar, mas sim decretar o que deve estar aberto. Mandar fechar tem consequências apenas para a economia. Mandar abrir pode ser, ou não, um risco para a vida das pessoas – de todas.



A situação complica-se ainda mais quando se manda fechar, mas se deixa uma infinidade de exceções. É aí que se misturam, de uma forma subliminar, os efeitos deste nosso duelo, ainda não resolvido, entre quase 48 anos de democracia e 48 anos de ditadura: um respeito escrupuloso pelo direito à liberdade individual, mas que nunca é acompanhado pela exigência firme de respeito pelos deveres cívicos e de vida em sociedade.

Em termos simplistas, quem governa evita sempre a mais leve acusação de poder ser considerado autoritário, e quem é governado acha quase sempre que, em nome da liberdade, não tem de prestar contas a ninguém. O sentido de cidadania é, no entanto, muito mais do que isso e assenta, acredito, num espírito profundo de solidariedade entre todos, independentemente das suas diferenças de opinião.

Ao fim de tantos meses, o Governo já devia ter aprendido que precisa de ser mais assertivo e direto. E, com toda a franqueza, menos otimista e esperançoso. Não adianta repetir que “juntos vamos conseguir” se, na verdade, não conseguimos juntar e unir todos os portugueses neste propósito, como ficou demonstrado, de forma eloquente, nos últimos dias. Mais: é absolutamente errado continuar a insistir, como Marcelo e Costa têm feito, que vamos ultrapassar esta segunda vaga da mesma forma como “vencemos” a primeira. Não é verdade! Apesar das declarações de milagre, já é tempo de reconhecer que nós não “vencemos” o vírus na primavera (ninguém venceu!). Nós apenas nos esquivámos, exclusivamente graças ao medo… que entretanto se perdeu, devido ao cansaço, à falta de sentido de cidadania, ao desleixo no rastreamento de casos – que nunca foi a prioridade absoluta que sempre deveria ter sido – e à incapacidade manifesta de informar os cidadãos de um modo rigoroso e detalhado.

Estamos no momento mais difícil desta pandemia, e com uma certeza: tudo o que possa ser feito agora só terá consequências práticas daqui a duas ou três semanas. Por enquanto, temos todos de aguentar ainda mais uns dias com os erros, desleixos e ações criminosas até, que foram tomadas aos mais diversos níveis, nas últimas semanas. Não há alternativa, por mais custos que ela tenha. Ao contrário do célebre slogan de James Carville, conselheiro de Bill Clinton, ninguém quer saber agora da economia. São as vidas que têm de ser salvas – com a ajuda de todos, sem exceção.

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