O SUS respondeu bem ao primeiro desafio. Não foram poucos os editoriais publicados nesta página mostrando o quão importante foi o desempenho do SUS para evitar que hoje o País pranteasse muito mais do que seus mais de 177 mil mortos em decorrência da covid-19.
Quanto ao segundo desafio, só o tempo vai dizer. Uma declaração do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o terceiro titular da pasta no curso da pandemia, ficará marcada como um dos mais bem acabados retratos do descaso do governo de Jair Bolsonaro pela saúde pública. “Eu não sabia nem o que era o SUS (antes de assumir o Ministério da Saúde)”, disse o general intendente no início de outubro.
Esse descaso do governo de Jair Bolsonaro pela saúde pública vai muito além da tibieza com que o Ministério da Saúde tem lidado com a campanha nacional de vacinação contra o novo coronavírus. Ele se manifesta em decisões governamentais, ou na falta delas, que impactam diretamente a qualidade dos serviços prestados a todos os que acorrem ao SUS para cuidar da saúde. Um exemplo recente ilustra bem os danos causados por essa administração que flerta com a crueldade.
No dia 7 de outubro, faltando apenas um mês para expirar o contrato do Ministério da Saúde com o laboratório responsável pelos exames de genotipagem dos vírus da aids e das hepatites virais, a pasta deu início ao pregão para escolher o novo fornecedor do serviço. Em prazo tão exíguo, é evidente que a licitação não foi concluída até o final de novembro, quando venceu o atual contrato, e os serviços prestados pelo laboratório até então contratado foram suspensos.
Em nota distribuída aos serviços de saúde no dia 3 passado, a pasta afirmou que realizará os testes de genotipagem apenas em crianças com menos de 12 anos e gestantes portadoras do vírus HIV. Já os pacientes acometidos por hepatite C devem receber os medicamentos que dispensam a genotipagem até que novo contrato seja firmado.
O exame de genotipagem é fundamental para determinar que tipo de tratamento deve ser realizado para cada tipo de vírus. Em última análise, a precisa combinação entre patógenos e medicamentos é altamente benéfica aos pacientes, que passam a ter uma chance de sucesso muito maior em seus tratamentos, e também ao erário, na medida em que tratamentos mais assertivos aliviam a pressão sobre o SUS. Na rede privada, um exame de genotipagem do vírus da aids custa, em média, R$ 2,3 mil. Das hepatites virais, R$ 1,5 mil.
A boa gestão de um contrato é o mínimo que se espera de um ministro da Saúde. De um com histórico de experiência em desafios logísticos, mais ainda. O que pode explicar a demora para licitar um novo contrato faltando tão pouco tempo para expirar o anterior? Está prevista a realização de novo certame nesta semana. Se houver vencedor, a pasta prevê a retomada dos exames em janeiro.
Como deputado federal, é bom lembrar, Jair Bolsonaro sempre criticou o custeio dos tratamentos para a aids e as hepatites virais pelo SUS. A um programa de TV, em 2010, o presidente chegou a dizer que essas doenças eram “problemas deles (dos pacientes)”. Dez anos se passaram e não se pode dizer que Bolsonaro tenha sido tocado pela compaixão ou tenha moldado sua atuação em virtude da alta posição que ora ocupa. Bem ao contrário. O presidente da República parece cada vez mais convicto de que a saúde dos brasileiros não é algo que lhe diga respeito.
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