O complicado é assumir que, sem seus habitats originais, animais como os ratos e os morcegos se adaptam a áreas degradadas mais próximas ao ser humano, e que o perigo de transmissão de novas doenças aumenta quando se estabelecem nessas regiões. É um processo documentado. Esteve, por exemplo, na origem do vírus do Nipah, mais mortal do que o ebola, sem cura e que aparece todos os anos. O patógeno saltou dos morcegos aos porcos e depois aos seres humanos, em 1998. “Invadimos seus hábitats e isso gera efeitos secundários”, disse ao jornal The New York Times Christian Walzer, diretor executivo da Wildlife Conservation Society.
Não é um caso exótico. Há muitos mais, e o número de doenças que potencialmente podem alimentar uma pandemia não parou de crescer nos últimos anos. Se em meados do século passado apareciam um ou dois a cada ano, nas três últimas décadas o número de surtos de doenças infecciosas detectados se multiplicou por três, de acordo com um estudo da Universidade Brown (Estados Unidos). Alguns dos vírus que os causaram são especialmente problemáticos por sua complexidade —como o H1N1, que leva genes de vírus humanos, um avícola e dois porcinos—, e doenças recentes como a Gripe A e a porcina foram um aviso claro de que o risco de transmissão em escala mundial era real. Fica óbvio que tudo isso não foi levado a sério.
Qualquer um diria que estamos surdos ao anúncio. E cegos ao fato de que a exploração maciça da natureza se voltou contra nós. Pode ser que agora entendamos a mensagem da comunidade científica de que há três ingredientes que fazem um coquetel perfeito para a atual pandemia, e que podem ser ainda mais importantes na próxima: a destruição de ecossistemas, a diminuição da biodiversidade e o comércio de animais selvagens. A isso se une a grande (e pouco ecológica) mobilidade do ser humano, que pode chegar a qualquer ponto do planeta em questão de horas.
Em teoria, os pequenos gestos são suficientes para deter uma grande pandemia. Na prática, realizá-los é muito difícil, para começar porque implica mudar a escala com a que medimos as ações, os gostos e as decisões de consumo. “É preciso cuidar do meio ambiente, mas não só o que nos rodeia, também o que está a milhares de quilômetros. Estamos em um contexto global que requer uma ação global”, diz o biólogo Jesús Olivero. Fala com otimismo: “Mudar o mundo parece utópico, mas não é”.
O que acontece é que é preciso conhecer bem as ferramentas que se tem para consegui-lo. Uma das mais potentes é o consumo, porque nossa forma de consumir é uma declaração política sobre que mundo queremos. Que doces tradicionais como uma rabanada e um cozido incluam óleo de palma, um dos alimentos que mais afetam o desmatamento em todo o mundo, é um bom exemplo da influência global dos pequenos atos cotidianos. “Escolhendo alternativas nos ajuda a evitar que isso ocorra”, diz Andreu Escrivá, que acaba de publicar o livro Y ahora yo qué hago: cómo evitar la culpa climática y pasar a la acción (E agora o que eu faço: como evitar a culpa climática e passar à ação). Também fala em optar pelo consumo de proximidade, seja de verduras, tomates e qualquer outro produto. Isso significaria, além disso, deixar de consumir carnes de fauna selvagem, alimentos exóticos que significam um aumento do risco de que as pessoas se exponham a vírus perigosos.
Outro dos gestos a se levar em consideração aponta diretamente à compra e venda de espécies exóticas, legal e ilegal. “Se há países que exportam espécies protegidas é porque há países que as compram”, afirma o professor Jesús Olivero, e frisa que o comércio regulamentado também é problemático. “Todos somos responsáveis por não ter animais de estimação exóticos”, diz. E não somente porque assim eliminamos oportunidades para que os novos vírus se expandam, também porque podem gerar pragas em seus novos entornos e romper o equilíbrio natural, com graves consequências. As caturritas e o periquito-de-colar, que invadiram numerosas cidades espanholas a partir, justamente, do comércio legal dessas espécies, ilustram como a natureza facilmente foge do controle.
“Chegou o momento em que devemos entender o que precisamos renunciar a favor de uma austeridade, mas não entendida erroneamente, e sim como valor ético”, acrescenta por sua vez Lucía Vázquez, especialista e formadora nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). E avisa que não é uma corrida “para ver quem é mais sustentável” e não se deve “demonizar quem não é”. Vázquez encoraja que qualquer pessoa se pergunte até que ponto está disposta a renunciar a usar o carro para qualquer deslocamento, a viajar de avião para passar um final de semana em Londres e deixar de consumir produtos que não são sustentáveis. “Não se trata de que tudo o que compramos seja ecológico e que toda nossa roupa seja feita de maneira sustentável. Isso é importante, mas também se trata de consumir menos”, afirma.
Outra maneira de melhorar o meio ambiente —e, ao mesmo tempo, colocar obstáculos à chegada de uma futura pandemia— é fazer uma compra diária mais sustentável, algo para o que costuma ser necessário ir a vários estabelecimentos em vez de um só supermercado. Isso requer tempo e isso é, exatamente, o que nunca temos. “Mas o confinamento deveria ter nos ajudado a pensar que é possível evitar as pressas constantes, a vontade de correr por tudo, de chegar rápido aos locais”.
Entre os pequenos gestos com os quais você pode ajudar a deter a próxima pandemia não estão somente hábitos de vida, tomar consciência de questões fundamentais como a responsabilidade que traz o direito ao voto também é importante. Nele reside o poder de escolher, por exemplo, que seja mais fácil e atrativo o uso da bicicleta, tornar mais acessíveis as viagens de trem —um dos meios de transporte mais ecológicos— e que outras ações que tornem nossa vida mais sustentável não tenham sempre que significar um sacrifício, seja econômico, social e de tempo. E é aí onde iniciativas como os ODS servem de roteiro e guia aos Governos, às prefeituras, às associações e às organizações dos entornos mais próximos. A luta global contra a próxima pandemia começa na ação local. Essa não deve ser freada.
Não é um caso exótico. Há muitos mais, e o número de doenças que potencialmente podem alimentar uma pandemia não parou de crescer nos últimos anos. Se em meados do século passado apareciam um ou dois a cada ano, nas três últimas décadas o número de surtos de doenças infecciosas detectados se multiplicou por três, de acordo com um estudo da Universidade Brown (Estados Unidos). Alguns dos vírus que os causaram são especialmente problemáticos por sua complexidade —como o H1N1, que leva genes de vírus humanos, um avícola e dois porcinos—, e doenças recentes como a Gripe A e a porcina foram um aviso claro de que o risco de transmissão em escala mundial era real. Fica óbvio que tudo isso não foi levado a sério.
Qualquer um diria que estamos surdos ao anúncio. E cegos ao fato de que a exploração maciça da natureza se voltou contra nós. Pode ser que agora entendamos a mensagem da comunidade científica de que há três ingredientes que fazem um coquetel perfeito para a atual pandemia, e que podem ser ainda mais importantes na próxima: a destruição de ecossistemas, a diminuição da biodiversidade e o comércio de animais selvagens. A isso se une a grande (e pouco ecológica) mobilidade do ser humano, que pode chegar a qualquer ponto do planeta em questão de horas.
Em teoria, os pequenos gestos são suficientes para deter uma grande pandemia. Na prática, realizá-los é muito difícil, para começar porque implica mudar a escala com a que medimos as ações, os gostos e as decisões de consumo. “É preciso cuidar do meio ambiente, mas não só o que nos rodeia, também o que está a milhares de quilômetros. Estamos em um contexto global que requer uma ação global”, diz o biólogo Jesús Olivero. Fala com otimismo: “Mudar o mundo parece utópico, mas não é”.
O que acontece é que é preciso conhecer bem as ferramentas que se tem para consegui-lo. Uma das mais potentes é o consumo, porque nossa forma de consumir é uma declaração política sobre que mundo queremos. Que doces tradicionais como uma rabanada e um cozido incluam óleo de palma, um dos alimentos que mais afetam o desmatamento em todo o mundo, é um bom exemplo da influência global dos pequenos atos cotidianos. “Escolhendo alternativas nos ajuda a evitar que isso ocorra”, diz Andreu Escrivá, que acaba de publicar o livro Y ahora yo qué hago: cómo evitar la culpa climática y pasar a la acción (E agora o que eu faço: como evitar a culpa climática e passar à ação). Também fala em optar pelo consumo de proximidade, seja de verduras, tomates e qualquer outro produto. Isso significaria, além disso, deixar de consumir carnes de fauna selvagem, alimentos exóticos que significam um aumento do risco de que as pessoas se exponham a vírus perigosos.
Outro dos gestos a se levar em consideração aponta diretamente à compra e venda de espécies exóticas, legal e ilegal. “Se há países que exportam espécies protegidas é porque há países que as compram”, afirma o professor Jesús Olivero, e frisa que o comércio regulamentado também é problemático. “Todos somos responsáveis por não ter animais de estimação exóticos”, diz. E não somente porque assim eliminamos oportunidades para que os novos vírus se expandam, também porque podem gerar pragas em seus novos entornos e romper o equilíbrio natural, com graves consequências. As caturritas e o periquito-de-colar, que invadiram numerosas cidades espanholas a partir, justamente, do comércio legal dessas espécies, ilustram como a natureza facilmente foge do controle.
“Chegou o momento em que devemos entender o que precisamos renunciar a favor de uma austeridade, mas não entendida erroneamente, e sim como valor ético”, acrescenta por sua vez Lucía Vázquez, especialista e formadora nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). E avisa que não é uma corrida “para ver quem é mais sustentável” e não se deve “demonizar quem não é”. Vázquez encoraja que qualquer pessoa se pergunte até que ponto está disposta a renunciar a usar o carro para qualquer deslocamento, a viajar de avião para passar um final de semana em Londres e deixar de consumir produtos que não são sustentáveis. “Não se trata de que tudo o que compramos seja ecológico e que toda nossa roupa seja feita de maneira sustentável. Isso é importante, mas também se trata de consumir menos”, afirma.
Outra maneira de melhorar o meio ambiente —e, ao mesmo tempo, colocar obstáculos à chegada de uma futura pandemia— é fazer uma compra diária mais sustentável, algo para o que costuma ser necessário ir a vários estabelecimentos em vez de um só supermercado. Isso requer tempo e isso é, exatamente, o que nunca temos. “Mas o confinamento deveria ter nos ajudado a pensar que é possível evitar as pressas constantes, a vontade de correr por tudo, de chegar rápido aos locais”.
Entre os pequenos gestos com os quais você pode ajudar a deter a próxima pandemia não estão somente hábitos de vida, tomar consciência de questões fundamentais como a responsabilidade que traz o direito ao voto também é importante. Nele reside o poder de escolher, por exemplo, que seja mais fácil e atrativo o uso da bicicleta, tornar mais acessíveis as viagens de trem —um dos meios de transporte mais ecológicos— e que outras ações que tornem nossa vida mais sustentável não tenham sempre que significar um sacrifício, seja econômico, social e de tempo. E é aí onde iniciativas como os ODS servem de roteiro e guia aos Governos, às prefeituras, às associações e às organizações dos entornos mais próximos. A luta global contra a próxima pandemia começa na ação local. Essa não deve ser freada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário