terça-feira, 18 de agosto de 2020

O exemplo de Moçambique

Regressei a Moçambique na semana passada. Foi a primeira viagem longa que fiz após o início da pandemia. Em Lisboa, o aeroporto funcionava normalmente, com muita gente circulando, as lojas abertas, os restaurantes servindo refeições rápidas. No chek in pediram-me uma autorização do Ministério do Interior de Moçambique, mas não o teste ao Covid-19, que eu fizera dois dias antes, e que, felizmente, deu negativo.

O voo de dez horas decorreu sem o menor incidente, com os passageiros respeitando as orientações da tripulação — manter a máscara e nunca sair do lugar, excepto para ir ao banheiro.



Contudo, assim que abriram as portas começou o tormento. Ao invés das mangas de acesso, que nos deveriam conduzir aos salões confortáveis do aeroporto, fomos recebidos na placa, sob um vento gelado, por dezenas de “astronautas”, vestidos de plástico branco da cabeça aos pés. Os “astronautas” separaram os passageiros: os que já tinham feito o teste avançaram mais alguns metros; os restantes foram deixados para trás, entregues à fúria da intempérie. Tive de explicar várias vezes os motivos da minha visita, mostrar o teste, as cartas e as autorizações, medir a temperatura corporal e preencher diversos formulários antes de, finalmente, alcançar a última das fronteiras, conseguir um carimbo no passaporte e entrar oficialmente no país.

Nas ruas de Maputo testemunhei o rigor com que os moçambicanos encaram a epidemia. Há cartazes por toda a parte, alertando para as medidas de higiene necessárias para travar o avanço do vírus. Nas rádios, os apelos são constantes. A maioria das pessoas que circulam nas ruas usam máscara. Algumas destas máscaras, produzidas com tecidos africanos (capulanas) são espantosamente bonitas, tão elegantes que parece terem feito parte, desde sempre, da indumentária local. Comecei a colecioná-las esperando que, num futuro próximo, possam servir de testemunho, raro e estranhamente harmonioso, de um tempo sombrio. Vejo nas máscaras de capulana uma metáfora perfeita para o espírito de resistência dos africanos: a demonstração de que é possível transformar em beleza até a pior das tragédias.

Em Moçambique, país com 30 milhões de habitantes, morreram até ao momento em que escrevo esta coluna 17 pessoas por covid-19. A vizinha África do Sul, com 57 milhões de habitantes, já conta mais de dez mil mortos.

As rápidas medidas de contenção, incluindo o fechamento das fronteiras, explicam, em parte, o sucesso de Moçambique no combate à pandemia. O povo moçambicano vem cumprindo as instruções do governo com a famosa “disciplina revolucionária” instituída nos primeiros anos após a independência. Em todas as lojas, mesmo nas mais humildes, os clientes são convidados a lavar as mãos com álcool-gel. Nas estradas, à entrada de cada província, há brigadas responsáveis pela lavagem dos veículos. Os passageiros têm de sair do carro para medir a temperatura e lavar as mãos.

Ao mesmo tempo, Moçambique optou por não impor regime de lockdown. O comércio nunca fechou as portas, e os mercados ao ar livre continuam tão animados e coloridos como antes do fim do mundo. É um modelo que tem permitido conter a pandemia sem castigar demasiado uma população já muito sofrida. Até agora está dando certo.

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