A estagnação brasileira se explica por um Estado disfuncional que gasta muito, mas ao gastar não tem foco no pobre. Para conseguir gastar muito, o Estado criou uma estrutura tributária excessivamente complexa e onerosa que gera grandes distorções e atrofia a produtividade. No Brasil, há Estado demais distribuindo privilégios e benesses sem qualquer critério de eficiência, e Estado de menos na educação e na saúde. O resultado é estagnação, má distribuição de renda e exclusão social.
Nas últimas quatro décadas, houve períodos de reformas que modernizaram a estrutura produtiva brasileira, mas a cada um deles se seguia, quase que imediatamente, uma mudança de rumos em que as forças do atraso recuperavam o terreno perdido. Após as reformas implantadas por FHC e também por Lula, em seu primeiro governo, houve um desvio de rota no segundo mandato de Lula, culminando na catastrófica Nova Matriz Econômica de Dilma.
Velhas ideias ultrapassadas, que já haviam fracassado no 2º PND da década de 1970 - fechamento da economia via requerimento de componentes nacionais, políticas setoriais sem qualquer estudo prévio de eficiência, volumes gigantescos de subsídios creditícios, favorecimentos a setores escolhidos em função da proximidade do poder -, foram reeditadas. O resultado foi a crise fiscal, retorno da inflação, desorganização produtiva e a recessão de 2015-16. Uma crise auto-infligida.
O mais espantoso é que as reformas capazes de aprimorar o ambiente econômico, que beneficiariam os mais pobres, tenham sido combatidas justamente pela esquerda. Episódio representativo foi a dobradinha Gleisi Hoffman/Lindberg Faria, lutando no Senado, em 2017, pela preservação da TJLP. Os auto-intitulados “progressistas” apoiaram políticas que beneficiavam as elites. A oposição ao novo marco legal de saneamento por esses mesmos grupos é outro exemplo.
Fenômeno semelhante se observa na produção acadêmica de nossos historiadores econômicos de esquerda que, até recentemente, ignorou a educação como o melhor meio de elevação da produtividade e, consequentemente, da renda dos mais pobres. Mas não faltaram defesas de políticas industriais, subsídios, poupança forçada, benefícios creditícios e tantas outras políticas que, no fim das contas, transferiram renda para capitalistas que nunca gostaram de competição, nem de eficiência e muito menos de capitalismo.
O Brasil vive hoje sua mais séria crise de saúde em 100 anos. A resposta do governo federal, na dimensão de saúde pública, tem sido catastrófica, e a postura do presidente indesculpável. Mas na dimensão econômica, o governo soube reagir, implantando prontamente o auxílio emergencial e o pacote de ajuda aos Estados. São gastos bem-vindos e necessários, mas que tendem a elevar a dívida pública para 100% do PIB.
Após a superação do surto da covid-19, esses gastos emergenciais precisarão ser revertidos. Mas, aparentemente, para os heterodoxos e os ditos progressistas, racionalizar gastos, mesmo em um cenário de crescimento insustentável da dívida pública, seria um pecado mortal, uma afronta aos mais pobres. Já ganham força propostas de eliminação do teto do gastos.
O teto dos gastos não impossibilitou as despesas emergenciais, pois aplicou-se o regime de calamidade pública, previsto no próprio texto do teto. O teto nem sequer atinge as áreas de saúde e educação, mas este é um detalhe a que os críticos não prestam atenção. O teto foi o fator determinante para a inédita redução dos juros, observada desde sua aprovação, algo que reduz a transferência de renda via juros sobre a dívida pública para os mais ricos, beneficia enormemente o consumo dos mais pobres, e estimula o investimento gerador de empregos.
O teto impõe racionalidade às escolhas públicas, pois obriga o Congresso a priorizar o que de fato é importante, disciplinando os gastos dos três Poderes, e não só do Executivo. Se as taxas de juros reais longas permanecem historicamente baixas, mesmo diante do acelerado crescimento da dívida pública, isto se deve à crença dos mercados em que, após a superação da crise atual, a trajetória de gastos voltará ao nível pré covid-19. Isto é o previsto pelo texto do teto de gastos.
O Brasil já gasta muito dinheiro na área social, mas gasta mal. Seu maior componente, a Previdência Social, é altamente regressivo, pois privilegia a elite dos funcionários públicos. Não surpreende que a esquerda tenha sido contra sua reforma. Há espaço para aumento de gastos sociais, sem se arruinar as contas públicas. Mas isto exige escolhas políticas espinhosas. Por exemplo, pode-se cortar os recursos do FAT ao BNDES, diminuir os subsídios à Zona Franca de Manaus, cobrar faculdade de quem pode pagar, convergir salários de servidores ao nível observado no setor privado, reduzir subsídios e isenções que beneficiam a classe média, para se citar apenas algumas medidas.
A expressão “Gasto é vida”, atribuída a Dilma Rousseff, quando esta se opôs ao plano de ajuste fiscal de longo prazo defendido por Palocci, é um populismo equivocado e retrógrado e tem sua versão atual nas propostas de eliminação do teto de gastos. No curto prazo, traria elevação dos juros, com consequente transferência de renda do governo para os mais ricos. No médio prazo, provocaria desorganização da economia, cujas primeiras vítimas seriam justamente os pobres. E poderia nos levar a outro período de estagnação, adiando um pouco mais aquele futuro brilhante que nunca chega para os brasileiros. Já passou a hora de o país aprender com os próprios erros passados.
Pedro Cavalcanti Ferreira, professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento/ Renato Fragelli Cardoso, professor da EPGE-FGV
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