Cada horda de inquisidores torturando um entrevistado para “provar” que uma frase infeliz define-o irreversivelmente como racista, misógino, homofóbico ou qual seja das marcações a ferro infamantes das últimas ordenações do misterioso oráculo planetário da “correção política” reafirma o voto reativo de todo aquele que, mesmo fazendo restrições às grosserias e estupidezes dele, disseram uma frase infeliz alguma vez na vida.
Cada malabarismo semântico para designar com novas composições de expressões ridículas aquilo que os Shakespeares e Camões de todas as línguas sabiam expressar desde sempre, com todas as nuances de conotação desejadas, para esconjurar preconceitos sentidos com preconceitos institucionalizados, incentiva o voto nevrálgico de todo sujeito que já superou o pensamento mágico e a crença no poder dos exorcismos.
Cada torção do braço dos fatos para impor como absolutas verdades apenas relativas; cada tentativa de ditar regras universais de comportamento pessoal ou enfiar o Estado fronteira adentro do círculo da intimidade da família; cada tentativa de obrigar deus e o mundo a ver o que não está lá ou a não ver o que obviamente está reassegura o voto pós-traumático de todos quantos recusam a condição de manada e insistem em aprender apenas observando o que de fato acontece. E o advento das ferramentas de internet que propiciam o disparo de respostas geradas no fígado antes da intervenção ponderada do cérebro acelerou vertiginosamente a marcha da insensatez, adicionando a esses ódios todos uma conotação pessoal.
O maior prejuízo da violência retórica não-lógica é que ela dispensa os contendores de elaborar propostas para o mundo real. Permite a cada um manter-se vago em tudo o mais desde que tome posição clara contra a estupidez do outro. E isso deixa inteiramente desassistidos os problemas verdadeiramente problemáticos.
No Brasil o ódio da direita da privilegiatura pela esquerda da privilegiatura, e vice- versa, bastam-se um ao outro num debate cada vez mais movido a bílis, o que dispensa os dois lados de discutir a única coisa que interessa, qual seja, a existência de privilégios de classe institucionalizados em pleno 3º Milênio, 240 anos depois do fim do feudalismo.
Nos Estados Unidos o ódio dos “liberal” pelos “conservadores”, e vice-versa, açulado por uma elite empanturrada para a qual ele é a melhor droga contra o tédio, dispensa os dois lados de discutir a única coisa que interessa, qual seja, que aceitar os termos dos “capitalismos de estado” na disputa pelo mercado global é permitir que sejam devoradas por dentro as democracias ocidentais pois enquanto os Sanders e os Trump’s se escoiceiam os Estados Unidos reais, levando o mundo de arrasto, afundam cada vez mais, de recorde em recorde de fusões de empresas, de volta na lógica dos monopólios que foram a base do poder dos reis e seus barões no passado e hoje são a dos donos dos estados bandidos e seus “empresários” amestrados em que se travestiram as ditaduras comunistas.
O único remédio concreto que historicamente se lhes deu foi o da reorientação antitruste da democracia americana a partir da virada do século 19 para o 20. “Make America great again” – ou o Brasil pela primeira vez – é recuperar a capacidade da sua economia de dar a cada cidadão a condição de conquistar com trabalho tudo que a vida pode oferecer e continuar mandando no Estado como lindamente mandou ao longo de todo o século 20. E isso se faz “desachinezando-se” o mercado de trabalho doméstico e forçando a ocidentalização do das chinas do mundo mediante a instituição de impostos contra produtos em que não estejam embutidos os custos de pesquisa e desenvolvimento, da dignidade no trabalho e das liberdades básicas do cidadão como trabalhador e como consumidor.
Não há muito que inventar mas há tudo a relembrar sobre os marcos fundamentais da luta da humanidade contra a opressão: 1) que tudo que quem nasce sem nada tem de seu é a sua capacidade de criar e de trabalhar, e que sem a garantia do direito de propriedade – intelectual inclusive – até isso lhe roubam; 2) que liberdade, para além do blábláblá conceitual onde todas as prisões com jeitinho podem ser acomodadas, é a de ser disputado por múltiplos patrões e fornecedores concorrendo pela sua preferência; 3) que democracia existe nas sociedades onde todo mundo sabe quem representa quem, todos são iguais perante a lei e, sendo assim, a maioria é que manda no governo; 4) que esse rearranjo da hierarquia só se materializa com o voto distrital puro e o direito do povo de retomar mandatos (recall), recusar leis vindas de cima (referendo) e propor as suas próprias (iniciativa).
O resto é só barulho para impedir você de pensar.
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