É assim, mais marcadamente, desde a redemocratização. A rigor, os estertores do regime militar já traziam os indicadores de mercado a dizer: “Acabou o ciclo; hora de voltar para a casa e deixar que a sociedade se vire”. Em síntese: os mercados atuavam como agentes civilizadores da política.
Ainda que o capital, por si, seja amoral e não olhe a cor dos gatos desde que cacem ratos, o fato é que, há muitos anos, no Brasil, os mercados resolveram apreciar a democracia. Se seus valores são referendados pelas forças políticas influentes, sobe o preço dos ativos; se o contrário, então o contrário. Há muitos anos não é bom negócio especular contra direitos fundamentais e valores civilizatórios.
Um fenômeno, no entanto, se dá com o governo de Jair Bolsonaro — a rigor, manifestou-se já desde a sua candidatura — que consiste num completo descolamento entre a política e a economia. Uma hora, é claro, isso acaba. E muita gente pode ser surpreendida pelo estouro da bolha. Por enquanto, não há sinais de que vá acontecer.
Os indicadores de mercado deixaram de servir de advertência contra destrambelhamentos do chefe. Não importa o número de besteiras que façam o mandatário e seus comandados, o otimismo resiste, como a dizer: “Ah, isso tudo é só política! Danem-se! Não temos nada com isso”.
Conversem com um desses agentes de mercado e peçam que citem, deixem-me ver, três fatores objetivos que justifiquem o otimismo. E vocês vão constatar que as pessoas não têm o que dizer a não ser repetir um elenco de promessas ainda eleitorais, na certeza de que Paulo Guedes vai realizar um milagre — afinal, fingem ser ele o presidente da República, não Jair Bolsonaro.
Deve haver nisso elementos de psicologia social. Esses tais mercados não queriam o PT de jeito nenhum — embora não conseguissem, do seu exclusivo ponto de vista, explicar por que não, já que ganharam dinheiro como nunca na era petista. Os demais candidatos identificados com teses de mercado não emplacaram — Geraldo Alckmin em particular.
E aí sobrou o candidato exótico, com sua impressionante capacidade de dizer asneiras sobre todos os assuntos — e isso incluía os mercados. Ocorre que Paulo Guedes entrava na equação: o candidato, de verdade, para aquele público em particular, seria ele, Guedes, não aquele adulto infantilizado e truculento que fazia arminha com as mãos...
E foi assim que os mercados aprenderam a não dar bola para Bolsonaro e, de modo mais amplo, para a política. Por óbvio, isso só torna mais agudos os nossos problemas e nos conduz ao atraso com mais determinação. Sim, uma hora a bolha estoura. Mas esse é só o contratempo de curto prazo. Há os prejuízos de longo prazo, para os quais Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, chamou a atenção na quarta (29), durante um seminário sobre economia.
Tivessem os tais mercados reagido às coisas estúpidas que já fez o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, por exemplo, e ele já estaria cuidando de seus assuntos privados, e o país certamente estaria recebendo um fluxo maior de investimentos estrangeiros. Guedes sentiu em Davos o peso da repulsa à política ambiental. Bolsonaro teve de tirar da cartola, da noite para o dia, um conselho para tratar da Amazônia e a Força Nacional Ambiental.
A pressão veio de fora. Os nossos caramurus não estavam nem aí. Se o presidente cismar em derrubar metade da Amazônia, o negócio é comprar papeis de alguma madeireira...
É essa alienação da realidade que permite que um Abraham Weintraub continue a produzir atraso histórico a cada hora que permanece à frente do Ministério da Educação, multiplicando ignorância e incompetência. No longo prazo, é um desastre. No curto, rende alguns memes nas redes sociais e ponto.
Os mercados se tornaram parceiros do obscurantismo. Até quando?
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