sábado, 4 de janeiro de 2020

O último ano perdido na guerra pelo clima?

Apesar dos relatórios científicos, das manifestações de jovens por todo o mundo e das cimeiras intermináveis entre países, os factos ainda são o que são: em 2019, as emissões de gases com efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global, aumentaram em relação ao ano anterior. Ou seja, o gráfico das emissões globais continuou a subir, mais uma vez, exatamente como tem sucedido desde que se iniciou o período industrial. Como se, na prática, todos continuássemos a ignorar tudo aquilo que já conhecemos, de ciência certa, sobre as consequências do aumento da temperatura média no planeta. Sabemos que estamos a “fritar” a Terra, mas continuamos a “fritá-la” mais e mais, como se não fosse nada connosco – como se bastassem uns quantos sobressaltos e umas quantas indignações, somadas a algumas práticas de reciclagem, para nos sentirmos de consciência limpa e atirarmos a culpa para cima dos “outros”.


Tentemos, no entanto, ser um bocadinho otimistas, atendendo à época de novo ano, em que são admissíveis as mais delirantes resoluções. Assim, se olharmos com atenção, até podemos encontrar alguns ligeiríssimos sinais positivos nos cálculos divulgados pelo Global Carbon Project. Um deles é o facto de o aumento das emissões, em 2019, ter sido de apenas 0,6% – um valor inferior ao registado em 2018 (2,1%) e até à média de crescimento anual ao longo da última década (0,9%). Os números também indicam que tanto a União Europeia como os Estados Unidos da América conseguiram ligeiras diminuições nas suas emissões perigosas, graças à diminuição da produção nas centrais a carvão.
Só que, na verdade, a realidade não dá muito espaço para o otimismo. No caso da União Europeia, por exemplo, registou-se um aumento do consumo de combustíveis, tanto para automóveis como para aviões. Isto significa que a redução das emissões foi conseguida apenas à custa do carvão, mas que nada foi feito para promover a transição para os veículos elétricos e que, portanto, a situação pode inverter-se novamente. Também nos EUA, o ligeiro abrandamento nas emissões não chega para compensar o aumento de 2,8% medido em 2018. Mais: sabendo o que Donald Trump pensa sobre o assunto e a forma como tem revogado muitas das medidas lançadas por Obama para o controlo das emissões, não existem quaisquer garantias de que esta diminuição se vá manter no próximo ano – até porque, convém recordar, 2020 é ano bissexto e, portanto, existe mais um dia para poluir e fazer aumentar, assim, a média final de emissões de carbono.

Tendo em conta o que se viu na última cimeira do clima, em Madrid, com os principais países a mostrarem-se incapazes de assumir compromissos ambiciosos e medidas concretas para impedir o aquecimento global, tudo indica que não se pode ser muito otimista sobre o que pode ocorrer no ano que agora começa. Embora, mais uma vez, tenhamos todos consciência da realidade e estejamos devidamente avisados sobre as consequências. As Nações Unidas alertaram, há já algum tempo, que as emissões de carbono precisam de ser reduzidas 7,6% por cada ano, entre 2020 e 2030, para se evitar a “catástrofe climática”. Por aquilo que tem sido a tendência dos últimos anos, não será ainda neste 2020 que iremos assistir a essa inversão. Quase de certeza, 2020 não será o primeiro ano em que o índice das emissões começa a descer.

Apenas nos resta, por isso, esperar que 2020 seja o último ano perdido na luta contra o aquecimento global. O último ano em que se continuaram a adiar as decisões mais importantes para o nosso futuro. É esse o único otimismo que nos resta.

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