segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Após anos de crise, Brasil recua no ranking de desenvolvimento humano da ONU

A ONU divulgou globalmente nesta segunda-feira seu relatório de Desenvolvimento Humano. O documento de 366 páginas alerta para a necessidade de se combater as novas formas de desigualdade no mundo - ligadas, por exemplo, ao acesso desigual a avanços tecnológicos e ao impacto das mudanças climáticas - para responder aos crescentes protestos sociais pelo planeta.

Além disso, a divulgação traz o novo ranking dos países classificados a partir do seu Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, sigla que se tornou conhecida como um parâmetro de bem-estar da população.

O relatório deste ano mostra que a longa crise econômica que o Brasil atravessa desde 2014 tem comprometido o avanço do país. O IDH brasileiro ficou praticamente estagnado em 2018, depois de ter apresentado baixo crescimento nos anos anteriores.


Com isso, aponta o documento, o país perdeu três posições no ranking global em comparação com 2013, aparecendo como a 79ª nação com melhor resultado no mundo.

O IDH varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor é a situação de um país. Em 2019, a Noruega manteve a liderança mundial com pontuação de 0,954. Na última posição entre os 184 países analisados está mais uma vez o Níger (0,377).

O Brasil aparece em 2018 com 0,761, resultado praticamente estável ante 2017 (0,760). Já em 2013, nosso índice era de 0,752.

Essa pontuação reflete o desempenho do país em quatro indicadores: esperança de vida ao nascer; expectativa de anos de estudo; média de anos de estudo (da população até o momento); e renda nacional bruta per capita (toda a renda do país dividida pelo número total da população)

O avanço da pontuação brasileira em relação a 2013 se deve a continuidade da melhora dos três primeiros indicadores. Por outro lado, o reflexo da crise econômica na renda da população impediu um avanço maior. Segundo o IBGE, há 12,5 milhões de brasileiros desempregados, o que representa quase 12% dos trabalhadores.

"O que não tem contribuído para o aumento do IDH no Brasil é a parte econômica, porque tem havido uma estagnação desde 2014, 2015. Esperando que a melhora da educação e da saúde se mantenha no futuro, a partir do momento em que a economia se recupere, o IDH do Brasil pode vir a crescer mais rapidamente", disse à BBC News Brasil o economista português Pedro Conceição, diretor do escritório da ONU que produz o relatório.

Conceição considera positivo, porém, o fato de o Brasil seguir em uma trajetória de melhora. "Embora o IDH esteja crescendo pouco nos últimos anos, continua a aumentar".

Segundo o novo documento da ONU, a esperança média de vida dos brasileiros ao nascer estava em 75,7 anos em 2018, contra 73,9 em 2013 - uma ganho de quase dois anos. Já a expectativa de anos de estudo passou de 15,2 para 15,4 no período, enquanto a escolaridade média evoluiu de 7,2 anos para 7,8.

A renda média do brasileiro, no entanto, recuou de US$ 14.275 para US$ 14.068 nessa meia década.

Vale explicar que a ONU utiliza o dólar internacional em paridade de poder de compra para estimar a renda nos países, fazendo uma comparação entre preços de produtos e serviços em diferentes países e nos Estados Unidos - é uma mediação considerada mais adequada para comparar o bem-estar em diferentes países e não representa a mesma cotação do dólar americano.

Nesses parâmetros, a renda média brasileira fica próxima da mundial (US$ 15.745) e da latino-americana (US$ 13.857). Já o grupo de países com IDH muito alto (a partir de 0.8), composto de 62 nações, tem renda média de US$ 40.122, também em paridade de poder de compra.

Enquanto o Brasil apresenta um desempenho mais modesto, o ranking evidencia a piora do IDH da Venezuela, país que enfrenta uma crise humanitária, com forte onda migratória.

Em cinco anos, o país caiu 26 posições no ranking para o 96º lugar. Sua pontuação ficou em 0.726 em 2018 contra 0.772 em 2013.

O Brasil está na categoria de "alto desenvolvimento humano" e tenta chegar à mais elevada no ranking, o grupo com "muito alto desenvolvimento humano".

Na comparação com os demais países do seu atual grupo, o Brasil tem apresentado ritmo de crescimento do IDH menor que a média de 2010 para cá. No entanto, o avanço brasileiro tem sido melhor do que a média de América Latina e Caribe.

A ONU ressalta, porém, que a desigualdade social ainda elevada faz com que os níveis de desenvolvimento variem muito dentro do Brasil.

O IDH é uma média dos indicadores do país - ao ajustá-lo pela disparidade de renda e de acesso à saúde e educação, o organismo considera que a pontuação brasileira recua para 0,574. Como a desigualdade brasileira está entre as mais altas do mundo, esse ajuste derruba o país em 23 posições no ranking.

Um dos temas do relatório desse ano é justamente destacar que as "médias" escondem muitas desigualdades pelo mundo. Nesse sentido, a ONU chama atenção para a lentidão da redução do fosso entre homens e mulheres no mundo.

Após uma queda relevante entre 1995 e 2010, a disparidade de gênero - medida por meio de indicadores de saúde, educação, inserção no mercado de trabalho e participação política - tem recuado mais lentamente na última década, segundo o relatório.

A seguir no ritmo atual, levaria 202 anos para que mulheres tenham as mesmas oportunidades econômicas que homens, por exemplo.

O relatório destaca que houve avanços importantes nas últimas décadas, como o aumento do acesso de meninas à educação e o combate à violência de gênero por meio de movimentos como #MeToo e #NiUnaMenos, mas enfatiza a ainda baixa presença feminina em cargos de comando na política e as mobilizações de contestação ao feminismo como a campanha contra uma suposta "ideologia de gênero".

"Há sinais preocupantes de dificuldades e reversões no caminho da igualdade de gênero, para (o aumento das) chefes de estado e de governo e para a participação das mulheres no mercado de trabalho, mesmo onde há uma economia dinâmica e paridade de gênero no acesso à educação", diz um trecho do relatório.

"E há sinais de reação (aos avanços conquistados). Em vários países, a agenda de igualdade de gênero está sendo retratada como parte da 'ideologia de gênero'", continua o documento.

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